Seis anos distam entre o anterior Bang Goes the Knighthood e o novo Foreverland. O tempo, como muitas coisas na vida, é por vezes psicológico – e voltar a Neil Hannon e aos Divine Comedy é voltar à casa de partida sem nunca dela verdadeiramente se ter saído.
As cordas e o piano que embalam o arranque de “Napoleon Complex”, faixa de abertura do novo álbum dos Divine Comedy, é um género de perfume da nossa cara-metade, mesmo que esta diste por momentos no espaço – Neil Hannon está de volta e não sabe fazer discos maus. E nós acolhemo-nos como fazendo parte de nós.
A subtileza pop continua, em 2016 como em 2011 e como nos anos 1990, em permanente diálogo com alguma saudável megalomania de recorte mais clássico. Com efeito, não é por acaso que Hannon intervala digressões a solo com espetáculos que juntam a uma convencional banda rock (guitarras e bateria) elementos de orquestra quando não mesmo um conjunto inteiro de instrumentos clássicos.
Foreverland, 11.º registo de estúdio dos Divine Comedy, arrisca-se a ser o mais feliz álbum de Hannon em anos e é provavelmente o mais bem conseguido lote de canções que o britânico pariu desde o seminal Fin de Siècle (1998). Valentes e viciantes singles nunca faltaram a Neil Hannon, mas na dúzia de cantigas do novo disco é fácil reconhecer sete ou oito momentos de perfeição – “To the Rescue” é uma canção de amor daquelas que já não se fazem (até Gainsbourg, lá do outro lado, ficaria orgulhoso) e “The Pact” é infantilmente alegre e instrumentalmente e liricamente obra de sábio disto a que chamamos vida, só para dar dois exemplos.
“Catherine the Great”, tema de avanço, fez temer um registo mais em piloto automático que em serpente de novas descobertas – tudo errado e Foreverland renova-se a cada nova audição, há elementos inicialmente descurados e que depois se revelam, curvas e contracurvas de bom gosto e beleza.
Neil Hannon – que, diga-se, parece não envelhecer fisicamente – já fez muito com o amor que tem para dar e as várias primaveras de destroços que já teve de apanhar e colar. Alguns dirão que é só o talento que leva o músico nos dias que correm -2016, mais de 20 anos depois das primeiras canções – a continuar a surpreender-nos e a desarmar como poucos. Talvez seja. Mas neste mundo dos Divine Comedy, feito de romance e fantasia, tem muito mais interesse imaginar Hannon como um cavaleiro de outro tempo, armado com a sua viola e o piano, um Robin dos Bosques da Irlanda do Norte que absorve amor desperdiçado por outros, embrulha-o em pautas e entrega-o a nós, permitindo-nos acesso a esta casa que sempre conhecemos mas que por vezes nos esquecemos de quão bem cheirosa é. Foreverland é um disco fundamental.