Já tinhamos saudades de Jónatas Pires. Desde o fim dos Pontos Negros, em 2013, teve algumas aparições ao vivo mas permaneceu primordialmente em blackout. Irrompeu este ano com muita pompa e na melhor circunstância.
Terra Prometida é, unânime e inequivocamente, um dos álbuns que marca 2021. Primeiro, pelo facto de nos trazer Jónatas de volta. Depois porque é um trabalho repleto de óptimas canções, cheio de luz, carregado de esperança e que nos mostra o caminho até um lugar de paz.
Esse trajecto faz-se em dois momentos, ou melhor, em dois ritmos. Primeiro a todo o vapor com uma sequência avassaladora de canções; depois em cruzeiro embalados pela guitarra acústica e piano, num disco perfeitamente dividido em dois lados mesmo a exigir edição em vinil.
No lado A temos um som cheio, com arranjos sumptuosos e envolventes, orquestrais quanto-baste (escute-se “Primavera” e “Rosto Negro”) e com a energia rock a que já nos tinha habituado (“Quando o Vendaval Vier” é a melhor canção do ano e “O Padeiro de Portalegre” está na lista de candidatos a novo hino nacional).
No lado B, Jónatas veste-se de bardo e revela-nos uma pele que não lhe conhecíamos. “Epílogo” e “Mesa Posta” são canções que queremos que ele nos cante sentado na nossa mesa de cabeceira.
Mas esta é a única novidade, porque o resto que está neste disco são tudo coisas que já sabíamos esperar de Jónatas Pires: excelentes melodias e letras de fino recorte literário. Jónatas tem esse condão de homenagear a língua portuguesa ao trazer para canções vocábulos e expressões que habitualmente não moram no pop-rock, mas fá-lo graciosamente e sem soar forçado.
Também não é forçada nem imposta a inspiração bíblica. Desde logo o título, mas também uma série de outras referências que vão aparecendo nas letras, são litúrgicas apenas na medida em que quem as ouça seja, ou não, pessoa religiosa – o significado da palavra cantada é suficientemente universal para ser interpretado bíblica ou laicamente.
Mas seja de que lado for que se esteja quando se ouvem estas canções, é difícil não ser atingido pela beleza e verdade lancinante que arde como álcool nas feridas mas que, no final do dia, nos conduz até um sítio de luz serena.