A BOTA recebeu, no último sábado, a apresentação do disco Dias em Branco, de Jasmim, e foi uma bonita festa.
A primavera anda tímida e os dias parecem passar por nós mais rotineiramente do que o costume. Perante o caos absoluto, vemo-nos sem grande motivação para olharmos além de amanhã e os planos grandiosos são adiados para os tempos mais quentes. Em resposta a esta apatia comunitária, há quem consiga fazer a sua pequena revolução e apreciar o nada do presente e o tudo da rotina. Jasmim, alter ego de Martim Braz Teixeira, concretiza plenamente a ideia de que podemos mudar o mundo — o nosso, pelo menos — com uma simples mudança de olhar em Dias em Branco, disco que lançou no início deste mês e que teve a sua apresentação neste sábado na BOTA.
Era um dia de festa. À porta da Toca das Artes juntavam-se amigos, conhecidos e admiradores do trabalho de Jasmim, que conta agora com três discos e uma mão cheia de singles que parece que se vão aprimorando com o tempo e aproximando de uma estética concreta em construção. Às inspirações fortes na música das décadas de 60 e 70, junta-se um carinho pelas sonoridades tradicionais portuguesas e pela cena indie folk dos últimos anos, nascendo uma paisagem sonora que tem tanto de moderno como de conforto do que sempre ouvimos e sempre gostámos. Um problema técnico impediu que o concerto começasse por mais de uma hora, mas, sem descurar a ansiedade que terá provocado nos músicos e no pessoal, ninguém pareceu minimamente inquietado com a espera, deixando-se estar na paz de quem sabe que em menos de nada seria envolto por um bonito espectáculo.
Resolvido o sobressalto, o público foi convidado a voltar a ocupar o seu espaço defronte ao palco e os seis músicos começaram a tocar sem demoras. As primeiras faixas de Dias em Branco soaram e assim foi dado o mote para todo o concerto: as vozes etéreas do coro (Beatriz Diniz e Catarina Falcão) e Francisco Vieira Santos (bateria), Castilho (baixo) e João Farmhouse (guitarra) acompanhariam Jasmim nas suas melodias suaves.
Oscilando entre o piano e a guitarra e intercalando o disco apresentado, tocado na íntegra, com outras faixas da restante discografia, Jasmim fez um espectáculo de gratidão sincera a todas as mãos que fizeram consigo Dias em Branco e de felicidade pura por aquele encontro de sorrisos e aplausos entusiasmados. Fernão Biu juntou-se brevemente à banda para tocar flauta em “Multidão” e “Verdes Campos” e clarinete em “Tudo/Nada”, do disco anterior, Acordado ou a Sonhar. Ora com a banda inteira a tocar, ora com solos e duetos, todas as músicas soaram talvez ainda mais vivas do que nas suas versões em estúdio, possivelmente pela vida que se sentia naquela orla acolhedora e apaixonada por todo este trabalho.
Se “Campo/Cidade” acabou por não ter espaço na setlist ligeiramente alterada por causa do problema técnico, “Sabor do Vento”, single feito com Castilho, teve o seu momento perto do fim do concerto. “Loja da Avenida”, última faixa do novo disco, fez o encore, cantado a todas as vozes.
Foi um concerto mesmo bonito e aconchegante, não só pela performance exímia de todos os músicos, mas sobretudo porque transparecia o amor com que foi feito e perfeitamente ensaiado. Correu por nós como uma brisa de fim de tarde.
(foto de João Hasselberg)