Sobre o impacto do período pós-punk tanto na música pop como nas cenas mais experimentais já muito se escreveu – ainda para mais quando esse impacto, quase quarenta anos depois, ainda hoje se sente ao nível do mainstream e do underground. Mas, apesar de todo o alarido, o foco ainda se encontra muito (ou demasiado…) presente nas fórmulas musicais britânicas e norte-americanas, descurando o que de bom se fez no resto do mundo; daí que, todos os anos, surjam novas edições e reedições de pérolas escondidas dos anos 80, territórios para onde o radar de então não apontou.
Este trabalho arqueológico permite, por exemplo, redescobrir certas cenas como a minimal wave ou artistas pop das margens como Lewis; permite, de igual forma, desviar a atenção desse eixo anglo-saxónico até locais que em nada ficam a dever ao que de bom se fez em bom inglês. É o caso dos The (Hypothetical) Prophets, colaboração franco-inglesa entre Bernard Szajner e Karel Beer, que em 1982 editou um único disco, Around The World With The Prophets, quase uma hora de electrónica minimal com laivos pop.
O mote era simples: uma banda fictícia, anónima, posando como dissidentes da ex-União Soviética e criando um álbum que funcionava como uma crítica à expansão nuclear – quatro anos antes de Chernobyl. O peso ideológico (e sonoro) impediu os Prophets de se afirmarem entre um público que fosse, mas esta reedição da Infiné far-lhes-à, talvez alguma justiça.
O que aqui se observa, por entre a camada electrónica, é uma espécie de zeitgeist da época, sob os últimos suspiros da Guerra Fria: a paranóia e a ameaça com William Burroughs e o seu cut-up à espreita, formando as “letras”, que mais não são do que parangonas e manchetes jornalísticas da altura. Em “Back To The Burner”, há um beat opressivo e grave a marcar o compasso, enquanto uma panóplia de ruídos diversos e dispersos vai carburando até finalizar numa espécie de melodia sintetizada.
“Fast Food”, crítica à proliferação de restaurantes do género (e que continuará actual… lembremo-nos da polémica de há semanas com o novo McDonald’s do Chiado) revela uma aura mais funky e americana, com um coro feminino a fazer as honras antes de uma má – ou excelente – paródia de Elvis Presley enunciar aquilo que ama neste género de comida. O humor, tão vezes esquecido quando se fala de pós-punk, encontra-se aqui bem presente.
O quase rap de “Person To Person” e a folk electrónica de “The Fisherman’s Friend” mostram que os Prophets possuíam inúmeras variantes musicais, bem como gostos, mas é nas temperaturas industriais de “On The Edge Of The White Zone” e “Wallenberg”, esta última recorrendo-se de uma melodia noir em saxofone, que o duo prova que o seu esquecimento não deveria nunca ter acontecido. O tribalismo de “Back To Siberia” e os dez minutos de “Budapest 45”, esta última bebendo directamente da kösmiche alemã, só colocam um brilhante ponto final num álbum que não o é menos. Escavemos.