The Hunter representou o fim de um ciclo. Todos os elementos da banda estavam desgastados, e cada um à sua maneira, desejosos de viver outras realidades, outros destinos. Debbie Harry tinha dado o passo inicial ao fazer com Chris Stein, o seu parceiro de sempre, o primeiro de vários projetos a solo, KooKoo. Jimmy Destri tinha feito o mesmo, embora com ainda menor impacto de crítica e de aceitação pública do que o disco da sua parceira de banda. Frank Infante estava cada vez mais à margem dos destinos (obscuros) do grupo. Stein não estava bem, e no ano seguinte ao do lançamento de The Hunter (1983, portanto), foi-lhe diagnosticada uma rara doença auto-imune de nome Pemphigus Vulgaris, que quase o levou à morte. Mike Chapman, o produtor dos três anteriores trabalhos, nas liner notes da edição remasterizada de The Hunter, descreve um pouco o ambiente vivido no período de gravação, em Nova Iorque: “Both Debbie and Chris came to this latest project full of doubts and fears. They seemed almost disinterested, although they put on a brave face. (…) The entire project was a struggle. Nothing went well. (…) The wonderful world of clever and intensely catchy pop songs had turned into hell.” Para além de tudo isto, a banda lidava com inúmeros problemas que envolviam dinheiro (ou falta dele, para ser mais exato, uma vez que o grupo havia sido completamente enganado durante anos por muitos daqueles que deveriam tratar criteriosamente bem das suas contas bancárias), managers, advogados, e assim, de repente, tinham de cumprir com o que estava estabelecido em contrato, fazendo um novo LP para a toda poderosa Chrysalis.
The Hunter surge, sonicamente, como resultado de todas essas convulsões, de todos esses dramas em marcha intensa e progressiva, de todos os problemas que iam, aos poucos e desde há muito, minando a criatividade dos elementos dos Blondie, desgastando as relações humanas entre todos, e por isso se adivinhava que The Hunter seria o fim de um sonho iniciado na segunda metade da década de 70. Não é de estranhar, portanto, que as canções do disco parecessem estranhas, e até reveladoras de algum inquietante grau de perturbação mental. Assim sendo, orquídeas e naves espaciais cruzam o universo particular do disco, ilhas de almas perdidas andam de mãos dadas com gangsters, havendo ainda espaço para uma canção (“For Your Eyes Only”, da dupla Harry – Stein) que deveria ter feito parte do filme de James Bond com o mesmo nome, mas que acabou por ser recusada e substituída por outra “For Your Eyes Only”, esta interpretada pela menina bonita da altura, Sheena Easton. Quando saiu, e apesar de ter conseguido colocar uma canção no primeiro lugar de muitos tops do mundo – refiro-me à canção “Island of Lost Souls” -, a crítica foi excessivamente dura com The Hunter, o que ainda piorou mais o estado de coisas. Nesse tempo, quando o disco me chegou às mãos (tinha eu 14 anos), lembro-me de o ter adorado, uma vez que o que importava era a existência de mais um LP dos meus adorados Blondie. No entanto, lembro-me também, que depois de ouvido vezes sem conta, começou a crescer em mim uma sensação de um certo “vazio de magia”, quando em comparação com os trabalhos anteriores. Hoje, passados tantos anos e tantos discos por mim e pela minha vida, tenho a íntima certeza de que The Hunter foi, seguramente, um disco mal avaliado, mal entendido, talvez pela estranheza do seu ambiente sonoro, bastante distante das novas realidades estilísticas que começavam a impor as sua forças. Não quero com isto dizer que The Hunter seja uma obra prima. Longe disso, até. Reconheço-lhe, no entanto, qualidades suficientes para uma aceitação plena do seu registo, e entendo haver nele alguns traços de génio, o que chega perfeitamente para ainda hoje me fazer companhia, de tempos a tempos. Mas não uma companhia meramente nostálgica, note-se. Canções como “Dragonfly”, “Little Caesar”, “Danceway” ou “English Boys” (e nesta última, a voz de Debbie Harry quase me leva, ainda hoje, à comoção, sem que entenda racionalmente a razão dessa emoção extrema) fazem de The Hunter um álbum pelo qual vou revelando sempre algum apreço, e por isso vou tentando combater e afastar as nuvens negras que desde o primeiro minuto pairaram sobre ele. Até porque, muito pior do que o próprio disco, foi o vazio de silêncio que a banda deixou no mundo durante bem mais do que uma década, só terminado em 1999, com No Exit.