E assim, depois de um percurso longo e sinuoso que dura já desde a década de 70 do século passado, os Blondie deram-nos, em 2011, aquele que é o seu último longa duração até à data. Dá pelo nome de Panic Of Girls, e depois de muitos problemas ligados a contratos e editoras, chegou com pompa e circunstância. Desde logo através de uma especialíssima edição: a “Blondie Panic of Girls Limited Edition Collector’s Pack”, um autêntico delírio sónico, gráfico, e de merchandise para qualquer fã da banda. Para além do redondo objeto musicado (com duas faixas bónus), o pack trazia ainda uma revista de 132 páginas muito bem documentadas sobre a carreira da banda, todos os discos da história do grupo, e muito mais do que se poderia crer e desejar. Uma autêntica Bíblia, acreditem. Um verdadeiro must! Mas não ficava por aqui: 6 pins, um gigante double sided poster, e 4 postais de fotografias icónicas tiradas por Chris Stein.
Para além de tudo isto, Panic Of Girls trazia outras novidades de peso: Leigh Foxx, Matt Katz-Bohen, Tommy Kessler e Paul Carbonara surgiam como membros oficiais do projeto, cuja renovação se adivinhava há muito. Trazia também um novo produtor. Aliás, dois. Jeff Saltzman (produtor de uma banda que adoraria ser os novos Blondie, os The Sounds, mas também dos The Killers, por exemplo) foi o escolhido para a quase totalidade do disco. No entanto, “Mother” e “The End The End” tiveram produção de Kato Khandwala, ligado à recente banda sonora do filme C.B.G.B., de Randall Miller, evocativo de um local central para o surgimento de bandas como os Blondie, como sabemos. Mas o mais chocante, ao ponto de ainda hoje ter alguma dificuldade em digerir a ideia, prende-se com a ausência do genial Jimmy Destri devido, sobretudo, a sérias dependências de drogas, felizmente já ultrapassadas. Estes “novos” Blondie atiraram-se ao trabalho, e o resultado é o melhor disco por eles feito desde o muito distante (e delicioso) Autoamerican. Nas 11 canções do disco podemos encontrar a habitual mistura de estilos, só que desta vez com uma outra solidez melódica e rítmica. Arranca forte, com guitarras ruidosas e estridentes, em “D-Day”, que apesar de tudo não ficará na história como canção absolutamente memorável. Mas depois vem a fantástica “What I Heard” e a mais que fantástica “Mother”, ambas usadas como singles de Panic Of Girls. Nelas encontramos muita da essência pop da banda, com refrões suculentos, verdadeiros tratados de bem fazer uma canção para tocar na rádio. Infelizmente, por cá não tocou muito… Logo à primeira audição se percebe que o disco trouxe consigo uma boa dose de criatividade, e a inclusão dos referidos novos membros deram ao som da banda o necessário ar fresco para que se respirasse Blondie durante os pouco mais de 40 minutos de duração do álbum. “The End The End” soa bem, e o gingão “Girlie Girlie” arrasta-nos para a dança e para a caipirinha. Depois vem outro clássico: “Love Doesn’t Frighten Me” é Blondie no seu melhor, e adoraria ouvi-la ao vivo, confesso. Que bomba! Na melhor tradição rockeira de Debbie e companhia. Saltemos, para abreviar, “Words In My Mouth” (que deveria constar, na minha opinião, de qualquer um dos últimos discos solo de Harry, e não em Panic Of Girls) e chegamos a mais um momento cool, reggaeando por caminhos que fazem lembrar um pouco, por exemplo, “The Tide Is High”. Chama-se “Sunday Smile”, mas esse sorriso agendado para domingo é enganador, pois pode acontecer todos os dias em que se ouve a canção. “Wipe Off My Sweat” soa a “Good Boys”, a canção single do anterior The Curse Of Blondie, misturando-se inglês e espanhol na letra da canção, talvez como reflexo crescente do gosto de Debbie e Chris pela moderna música da américa latina. Outro bom momento acontece com “Le Bleu”, e também aqui nos lembramos do tempo em que os Blondie faziam e cantavam canções em francês. O ritmo é lento, a atmosfera gira entre uma certa penumbra de cabaret de porto de um qualquer cais de segunda, e a luminosidade da voz de Debbie que sobressai bem timbrada, quando canta ou quando sussurra versos como “J’ai oublié mon coeur / Dans une gare ou un port”. Lindo! O final de Panic Of Girls (se não contarmos com as faixas extra, que é assunto para o penúltimo parágrafo deste texto) dá-se com “China Shoes”, e vá lá saber-se a razão, recordo-me sempre de “Just Go Away”, canção de Parallel Lines que, como esta, também finalizava o disco da melhor maneira. Nesta apreciação ao disco, devo ainda referir o avanço estético qualitativo da capa deste Panic Of Girls, sobretudo se comparado ao anterior The Curse Of Blondie, como não pude deixar de referir no post que lhe foi dedicado. Para a art cover do disco de 2011 foi chamado o pequeno génio holandês de nome Chris Berens, e o resultado do trabalho final parece-me digno de menção. Gostei do seu toque surrealista e onírico ligado ao disco.
A ideia que fica deste Panic Of Girls é simples, e diz-se em duas ou três linhas: os Blondie sabem do seu ofício, e não param de trilhar outros caminhos e de estar atentos ao que se passa no mundo, embora nunca perdendo a base da sua essência primária. Mais: os Blondie querem ser ouvidos e estimados, não apenas pela riqueza imensa do seu passado, mas também pelo que de novo fazem. E isso é algo de muito meritório, como é fácil entender. São trabalhadores incansáveis, e ao que se julga saber, criaram mais de 40 canções para o projeto Panic Of Girls, que inicialmente tendeu a chamar-se Panic Of Truth. Algumas das muitas canções que ficaram de fora do alinhamento oficial do álbum, aparecem noutras edições do mesmo, a saber: “Horizontal Twist” e “Mirame” na referida “Limited Edition Collector’s Pack”; “Please Please Me” (sim, essa mesma, a conhecida canção dos The Beatles, simultaneamente nome de faixa e de disco), que se pode encontrar na edição japonesa do álbum; “End Of The World” e “Sleeping Giant” estão presentes na especial edição alemã de Panic Of Girls, editada em duplo cd. Na canção “End Of The World” encontramos, curiosamente, os versos que dão o título ao disco, embora essa faixa tenha ficado de fora do alinhamento original e oficial.
Passados 2 anos do lançamento de Panic Of Girls, e estando 2013 a caminho do seu fim, há notícias crescentes de que os Blondie vão editar em breve um novo longa duração. Já são conhecidas algumas das canções que farão parte de The Ghosts Of Download (título do futuro álbum), mas por enquanto não há datas concretas para o seu lançamento. Fiquemos, por agora, com Panic Of Girls, que ficamos muito bem, enquanto não chega o próximo trabalho dos meus adorados Blondie. Até lá, então, e na esperança fundada que seja mais um até breve.
Lembro apenas de uma música linda que era tema de uma novela brasileira de 1979,”Pai Herói”.