Os Blondie foram a primeira paixão da minha vida, o primeiro amor auditivo e visual. A música, e quem a cantava, fizeram de mim o fã número zero da banda em Portugal. Nem sequer admitia que houvesse alguém mais conhecedor sobre as vidas dos seus integrantes, os seus percursos, com mais discos, recortes de jornais e revistas do que eu. Tinha cerca de 12 anos, e não havia mais nada no mundo a não ser esses 5 homens (que nem sempre foram os mesmos) e aquela rapariga loira, tão bonita, tão perfeita, tão fantástica como as músicas que todos produziam. Os Blondie ainda hoje existem, mas não são já a mesma coisa. É, no entanto, uma banda que respeito e continuo a admirar, embora o encanto se tenha perdido um pouco… Devo-lhes este texto, pelo tanto que me deram. Este texto, e todos os outros que farei neste Especial Blondie, que marcará o mês de outubro no Altamont. É o mínimo que posso fazer, sobretudo pela importância estratosférica que tiveram na minha vida. Receio que esses textos possam vir a ser uma espécie de catarse musical e afetiva, pelo que peço antecipadamente desculpa por excessos de escrita que vos pareçam despropositados. Fica o aviso, na esperança de que me entendam: quem nunca amou verdadeiramente uma banda, o melhor é não ler esse roteiro dos discos de estúdio dos meus adorados Blondie, que hoje se inicia.
Há já muitos anos, em 1976, os Blondie entraram em estúdio para a gravação do seu primeiro disco. Era um período difícil para quem, como eles, faziam pela vida no icónico CBGB (a par dos Ramones, Television, Patty Smith, Talking Heads e outros mais, que também despontavam na altura) e no Max Kansas City, na suja Bowery novaiorquina. Nesse tempo, foi a Private Stock Records e depois a poderosa Chrysalis quem apostou neles. Blondie, o primeiro disco, contou com Gary Valentine (guitarra e baixo), Chris Stein (guitarra, baixo, e principal mentor da banda), Jimmy Destri (teclados), Clem Burke (bateria) e Debbie Harry na voz. Ainda em busca de uma identidade que só se afirmaria completamente a partir de Parallel Lines (“the difficult third album”, como se costuma dizer), os Blondie mostravam já uma veia muito saliente para a criação de grandes e poderosas canções. “X Offender”, que abre maravilhosamente bem o disco, “In The Flesh”, “In The Sun”, “Man Overboard” e principalmente “Rip Her To Shreds” são temas que garantiam qualidade melódica e apetência rockeira. “In The Flesh” foi, inesperadamente, um grande sucesso na Austrália, e nesse distante país, os Blondie começavam a ter uma forte base de apoio, o que se mantém, na verdade, até hoje. Na Europa, apenas os ingleses repararam neles, e no seu pais natal pouco ou nada aconteceu. Os Blondie nem sequer eram levados muito a sério pelos seus pares. Todos olhavam para eles com desconfiança, como se fossem apenas uma banda feita em torno de uma mulher bonita, muito sexy, e pouco mais do que isso. Puro engano! Mas voltemos ao disco, que é para isso que vos escrevo. Com Blondie estava alcançado o primeiro patamar da banda de pop-rock mais famosa dos finais dos anos 70 e 80 do século passado, embora eles não fizessem a mínima ideia de que estavam a entrar na história da música do século XX. As canções de Blondie mostram marcas dos anos 60, e essa é, talvez uma das suas principais virtudes. Mas há também algo que havia começado em força cerca de dois anos antes do lançamento do primeiro disco da banda de Debbie Harry: o Punk Rock. No entanto, e na verdade, as influências dessa nova atitude musical não se encontram à superfície, antes residem algo escondidas, digeridas pelo grupo de forma a que não podemos, longe disso até, considerar o álbum um objeto sonoro Punk. Falta-lhe a agressividade e a desgarga elétrica dos seus amigos Ramones, por exemplo. Mas ouçam bem “X Offender”, “Rip Her To Shreds” ou ainda “Kung Fu Girls” e perceberão bem aquilo que penso. O que é indisfarçável em Blondie, e isso não há quem possa negar, tem a ver com o som das girl group dos 50 e 60, embora com uma atitude kick off mais próxima do seu tempo, contextualizada com as angústias de uma Nova Iorque suburbana e decadente. Acho que foi a tudo isto que alguém chamou New Wave, e o termo acabou por ficar colado a muitas das bandas dessa época.
Ouça-se Blondie como início de caminho, e maravilhem-se com as paisagens da viagem que se iniciou em 1976. Next stop: Plastic Letters.
Uma sonoridade maneira,digamos.