Chegados a 1997, o fenómeno underground Ena Pá 2000 já era muito pouco underground. Mesmo sem rádio ou televisão a ajudar, os concertos em Queimas de Fitas e bares de Lisboa – como o Ritz e A Barraca – eram memoráveis para quem lá ia e a circulação de cassetes fez o resto.
Pegamos em Opus Gay e a primeira dúvida que se instala ao ver a sua capa é se é um disco editado pela Deutsche Grammophon ou pela Bacana Recording, mas os primeiros acordes tiram-nos a dúvida – “O Corcunda de Notre Dame” é uma guitarrada soberba, uma das grandes músicas da banda, apesar de pouco conhecida. Nesta é evidente a tentativa de fazer uma música para conquistar as rádios de Portugal e arredores, mas, como sempre, falharam na missão ao, inevitavelmente, colocarem lá pelo meio uns palavrões (para gáudio dos espectadores). Seguimos para mais uma canção com nome de mulher (a lista é extensa, há na discografia Alice, Marilú, Lulu, Ana Maria, Carla Andreia, Alcina, Joana Banana, Valentina, Rosário, Susana), desta feita “Olga”, a tal da granda folga. Canção em crescendo, um belo singalong descrevendo ao pormenor as amistosidades entre o narrador e a sua parceira dessa noite.
“Boazona” tem uma base de acordeão e uma das mais bem conseguidas rimas que viram a luz do dia na língua portuguesa: “Campo de Ourique” com “Rato Mique”! Mais uma personagem histórica para se juntar ao já acima mencionado Corcunda de Notre Dame e a Florbela Espanca, Christiane F., Platão e o Ursinho de Peluche, todos chamados ao barulho para mostrar a amplitude de espectro com que os Ena Pá trabalham, o barro com que fazem a sua obra.
Há depois em Opus Gay um ambiente mais denso e menos evidente, logo a partir da quarta música, “Florbela Espanca-me”, e que se arrasta até ao final do disco. Terá sido intenção da banda de mostrar que tinham dentro de si mais do que a pop orelhuda com que até ali tinham brindado os seus seguidores? Talvez, mas o que é certo é que não é por “Ursinho de Peluche” ou “Canção Conjugal” que serão lembrados. O disco é bem mais curto que o normal, com apenas 11 canções, terminando com “Doces Penetrações”, um faduncho apopalhado, com versos simples e eficazes para satisfazer o comum transeunte.
Manuel João Vieira, vocalista dos Ena Pá 2000, é apenas uma das muitas personagens criadas por Manuel João Gonçalves Rodrigues Vieira. Conhecemo-lo também como Lello Universal, Lello Minsk, Lello Marmelo, Élvis Ramalho, Orgasmo Carlos, Catita, entre outros. Conhecêmo-lo como o Candidato Vieira, que prometeu um Portugal alcatifado. Actua com várias bandas para lá dos Ena Pá 2000, sendo os mais conhecidos os Irmãos Catita e os Corações de Atum. Vimo-lo em “Mundo Catita“, brilhante série criada por Filipe Melo e João Leitão. Vimos a sua casa por dentro, exposta na Cordoaria Nacional. Vimos todos estas personagens desfilarem num incrível espectáculo no São Luiz “O Artista Português é tão Bom como os Melhores” e o nome não podia ser mais acertado. Este artista mostra uma portugalidade profunda, as suas vicissitudes, em toda a sua obra, para lá do artifício das caralhadas que coloca nas suas canções. E o valor disto é incomensurável.