Djavan foi um gigante na noite de Oeiras. Não coube em si, e a sorte foi toda nossa. Iluminou a noite que fechou a edição de 2024 do Festival Jardins do Marquês. Ontem foi mesmo dia D!
“Ser feliz é logo ali”
Verso da canção “Num Mundo de Paz”, de Djavan.
Foi o fim da edição deste ano do Festival Jardins do Marquês. Era difícil imaginar um último concerto melhor do que o de ontem. Djavan brilhou como poucos sabem brilhar. Muita emoção no regresso do alagoano a Portugal. A Tournê D é gloriosa e o seu alinhamento vai buscar temas certeiros à sua extensa discografia, para delírio de quem assiste aos seus shows. Ontem, os sortudos fomos nós.
Mas já lá chegaremos. Em primeiro lugar, algumas linhas para os repetentes A Cor do Som, que estiveram em uma das noites da edição de 2023, embora desfalcados de um dos seus astros, o enorme Dadi, que nessa altura andava em digressão europeia e asiática com a divina Marisa Monte. Este ano regressaram e foram, como sempre são, bastante bons. A Cor do Som, para quem não saiba, é uma banda histórica, com nomes icónicos da MPB, com um jeito mais sinfónico, por vezes, mas ligados às raízes do samba e do tropicalismo e seus derivados. Começaram, aliás, com “Beleza Pura”, extraordinário e contagiante tema de Caetano Veloso, incluído no seu transcendental álbum de 1979, mas também gravada ao vivo pel’ A Cor do Som no seu registo ao vivo no Circo Voador, em 1996. Em cima do Palco Nortada estavam Dadi, Armandinho, Mú Carvalho, Ary Dias e Gustavo Schroeter, todos grandes e históricas feras da música popular brasileira. Tocaram ainda os clássicos “Frutificar”, instrumental bem prog-rock, “Sapato Velho” e “Menino Deus”, ambas com o vocal do convidado João Mendonça, português que dá sempre uma perninha nos shows da banda em terras lusas. Ainda se ouviram, por exemplo, “Palco”, de Gilberto Gil e depois foram brincando e divertindo-se com temas como “Beat It” e “Da Ya Think I’m Sexy?”. Mas era tempo de rumar ao outro palco, ao principal, porque Djavan já não tardava.
É sempre especial qualquer concerto de Djavan. É verdade que a idade passa por todos, até por aqueles que, sendo eternos, não entram nesses jogos que o tempo faz ao passar, desgastando corpos e almas. Djavan continua o mesmo, pelo menos para nós que o conhecemos desde os tempos de “Flor de Lis”, de “Fato Consumado”, de “Lambada de Serpente” e “Álibi”. Desde os anos setenta, portanto, que o adoramos muito pelo músico e compositor distinto que é. Não há ninguém igual a Djavan na MPB. Ninguém.
O concerto de ontem foi um autêntico lugar de felicidade. De alegria, pelo que as músicas de Djavan representam para tanta gente. Por isso, ouvir o que Djavan nos trouxera foi maravilhoso, nostálgico e belo. Perfeita simbiose para que a felicidade se insinue de forma aberta e extrovertida. Foi exatamente assim que nos sentimos, cantando com ele todas as canções do alinhamento, dançando memórias ao ritmo das necessidades das pernas e da voz. Como resistir ou ficar indiferente a temas como “Curumim”, logo a abrir, “Boa Noite”, esse cumprimento-canção tão bonito, “Eu Te Devoro”, “Cigano”, “Avião”, a já mencionada “Flor de Lis”, a novíssima “Num Mundo de Paz”, “Meu Bem Querer” (eram milhares a cantar todos os versos da canção), “Oceano”, “Azul”, “Se”, e as derradeiras “Samurai”, “Sina” (um arrepio de muitos minutos, do primeiro ao último acorde, caetaneando e djavaneando até ao fim) e “Lilás”. Tudo por uma única razão: “O amor é como um raio / galopando em desafio / Abre fendas, cobre vales / Revolta as águas dos rios”, e esse íman mágico que tantas vezes une certas canções às vidas das pessoas, esteve muito forte e presente, na noite de ontem. Continuará a estar, porque aqueles que gostam de música, aqueles que a ouvem com a atenção merecida, os que vão aos concertos dos seus pequenos / grandes deuses, há muito que sabem a mais pura das verdades: “o amor não cabe em si”, por isso extravasa, “revela-se”, “invade e fim”. Mas ao contrário de tantos amores que a vida nos dá e nos tira, o amor pela música dos nossos músicos favoritos não morre nunca e nunca chega ao fim. Renova-se a cada audição, a cada instante. Foi isso que aconteceu ontem, quando todos cantámos a plenos pulmões os versos “Mas eu tô tão feliz! / Dizem que o amor / Atrai…”
*mais fotografias brevemente