Mais um tiro no porta-aviões. Ao terceiro álbum, os You Can’t Win, Charlie Brown voltam a acertar e fazem mais um excelente disco. Mais eléctrico, mais expansivo, mas com a mesma polifonia e requinte dos discos anteriores.
Marrow, medula em português, podia ter corrido mal aos YCWCB. É o terceiro disco, com toda a mitologia associada a essa marca, mas a banda supera essa prova com distinção e junta este título a um ramo em que se encontram os melhores álbuns de várias bandas. É também o primeiro disco editado por uma major – Sony Music, os primeiros saíram pela Pataca Discos – e isso podia ter desviado a música para caminhos mais pantanosos ou obrigá-los a certos ‘ajustes’ na sua personalidade musical, mas não, conservaram a identidade. Depois há ainda o estúdio onde gravaram. Desta vez quiseram mudar em grande parte a forma de trabalhar e com isso veio também a transição do 15A (da Pataca) para o HAUS, construído pelos PAUS, na zona de Santa Apolónia. É certo que foi mudança voluntária, quiseram sair da zona de conforto, mas tinha alguns condimentos para não correr bem, em equipa que ganha não se mexe, mas também aqui, os YCWCB voltaram a acertar.
Os Charlie Brown já tinham estabelecido uma linguagem muito própria, uma polifonia orquestral de finas melodias, cantada em coro, muita coisa a acontecer ao mesmo tempo em cada canção. Essas bases mantém-se, como se mantém a luminosidade irradia de cada música, mas o novo álbum mostra uma nova faceta: os arranjos de cordas, os xilofones e as vassouradas na bateria foram postos de parte, agora há mais electricidade, mais dança, mais falsetes.
As guitarras acústicas perderam destaque, ficaram guardadas no armário ao lado das camisas de flanela, agora quem mais ordena são ora as teclas, ora a guitarra bem amplificada, ora ambas ao despique. O primeiro single, “Above The Wall”, já mostrava esse caminho, sendo que as teclas nos transportam para o universo arcade, excelentemente ilustrado no teledisco. Em “Linger On”, guitarradas quase à AC/DC andam à bulha com teclados meio rasgados. “If I Know You, Like You Know I Do” é o triunfo das teclas, com granda ritmo a pedir pista de dança. Também há espaço para uma balada soul – “Frida (La Blonde) – que nos devolve os violinos. Em “In The Light There Is No Sun” – raro momento protagonizado pela viola acústica – somos transportados para um acampamento, em volta de a fogueira, com cantos meio tribais meio gospel, até que entram uns teclados ácidos, a piscar o olho aos Goat. “Pro Procrastinator” e “Bones”, as mais longas do disco, são também as melhores, num crescendo emocional que acaba muito perto do épico.
Em Marrow, o hexágono polivalente que são os You Can’t Win, Charlie Brown continua a ser um conjunto exímio a criar melodias viciantes sem cair na banalidade, tudo feito com tremendo bom gosto. Mas agora, a música ganhou outro tipo de brilho, deixou de estar tão virada para dentro, está mais extrovertida e expansiva. E esta mudança de paradigma reflecte-se, desde logo, na escolha da sala para o concerto oficial de apresentação. Em 2014 foi no CCB, este ano é no Lux. A nova música é feita para ouvir debaixo da bola de espelhos. E, mais uma vez, este Charlie Brown volta a ganhar!