Carl Barât é um Libertine, e importa que não se deixe isto fora da equação, até para contextualizar melhor o seu trabalho fora desse “gang”: os Dirty Pretty Things, por exemplo, surgiram como uma reacção imediata e furiosa à separação tumultuosa dos Libertines, um primeiro álbum com algum fulgor que depressa se perdeu no segundo e consequente extinção do grupo; o seu primeiro álbum a solo (homónimo) veio na sequência da reunião frouxa e inconsequente dos Libertines em 2010, reflectindo um Carl também ele mais sombrio e pesaroso, fosse pela mossa do aparente fracasso na recuperação da magia inerente à banda (e um agravamento duma depressão como consequência), fosse pela necessidade de distanciamento da sonoridade dos Libertines.
O que nos traz a 2015 e a Let It Reign, composto e lançado com o impulso ganho na reunião mais recente e bem-sucedida dos Libertines, que trouxe a reabilitação aparente de Pete Doherty em relação à dependência de drogas, a reabilitação da amizade entre Carl e Pete e a esperança na composição e gravação de material novo (a decorrer actualmente na Tailândia) pela primeira vez em onze anos. Todo este cenário mais risonho reflecte-se num Carl Barât revigorado e munido da vontade e inspiração para voltar à algazarra que tão bem lhe fica fazer.
Apesar de Let It Reign ser assinado colectivamente por Carl Barât and The Jackals, os Jackals como banda só surgiram após o álbum estar terminado, convocados através de redes sociais para as audições. As gravações decorreram em LA com a ajuda de amigos como Jarrod Alexander (ex-baterista de My Chemical Romance) e Joby J Ford (guitarrista de The Bronx), cuja companhia ajuda a trazer à superfície o melhor da faceta ruidosa de Carl. Mas acaba por aqui a “americanização” do álbum. Tudo o resto é tipicamente britânico, da influência instrumental e vocal dos Clash às temáticas da camaradagem em casernas e trincheiras de guerras ancestrais.
A entrada é a matar, com “Glory Days” (também primeiro single) a abordar a execução de soldados britânicos por cobardia ou deserção na Primeira Guerra Mundial, “Victory Gin” com um refrão desafiante e quase grunhido «we are not afraid of anyone/I defy anyone to tell me I am wrong» e uma secção de metais a aparecer no final, reflexões sobre a amizade num “Summer in the Trenches” com um pé nos momentos destravados dos Libertines e outro no ska, um muito pequeno alívio do pé no acelerador compensado com bastante fuzz em “A Storm Is Coming” (a meteorologia, outra temática secular britânica).
Aproximando-nos do meio do álbum, aproxima-se também o momento de reflexão, primeiro no anti-religioso “Beginning to See”, depois em “March of the Idle”, um tema contra a apatia generalizada que começa ele também um pouco apático até se tornar num toque a reunir com a chegada do refrão. Segue-se um quase totalmente desinteressante “We Want More”, compensado imediatamente por um dos pontos altos do álbum: “War of the Roses”, um tema com ambição, com balanço, com o regresso da secção de metais e com uma narrativa sobre uma amizade tumultuosa, posta em causa por disputas de drogas e miúdas mas redimida no refrão «you’re the only friend to me, nobody cares for me like you do», possivelmente aludindo só mais uma vez a Pete Doherty.
“The Gears” é um digno sucessor de temas curtos e frenéticos como “I Get Along” (Libertines) ou “You Fucking Love It” (Dirty Pretty Things), neste caso pouco mais de um minuto e meio de loiça partida em todas as direcções, antes de mais um tema introspectivo para fechar o álbum. “Let It Rain” cambaleia entre a dinâmica das relações e uma revolta quase desolada, patente na frase de entrada «no, I don’t have the strength to accept what I can’t change».
Let It Reign acaba por provar que Carl Barât não se dá bem com a ideia de ser um lobo solitário, o seu melhor só se manifesta com uma matilha em redor. A matilha dos Jackals demonstra ser uma boa companhia para todos os efeitos, e o álbum é bastante mais interessante e válido do que apenas um passatempo até que o álbum dos Libertines esteja pronto e o velho navio imaginário Albion volte a içar velas para tentar reconquistar o mundo.