Na festa de aniversário do disco de estreia e perante um Coliseu a rebentar pelas costuras, celebrou-se o bonito amor entre os Capitão Fausto e o público que os acompanha há já 10 anos.
Um reencontro, um abraço nostálgico, tocar o Gazela de ponta a ponta. Esta era a promessa dos Capitão Fausto para o que se iria passar no sábado na rua das Portas de Santo Antão. Afinal, não é todos os dias que se celebram 10 anos do lançamento do álbum de estreia.
Faltavam 10 minutos para a hora marcada para o início do concerto, e o Coliseu dos Recreios compunha-se, respirando-se já um ar de antecipação e de euforia elétrica. O público, esse, era heterogéneo. Alguns, fãs desde os tempos do Gazela, outros ali mais por causa do último álbum, A Invenção do Dia Claro. Os Capitão Fausto conseguem reunir, debaixo do mesmo teto, conjuntos de pessoas muito diferentes, desde pais com filhos pequenos, a grupos de amigos prontos para um bom moche, passando ainda por casais em noite de date. Não é qualquer banda que consegue ser assim consensual.
O concerto começou pouco depois da hora marcada com a entrada de Tomás Wallenstein, já de guitarra ao obro e a tocar os primeiros acordes de “Música Fria”. Seguiram-se os colegas, que, um a um, foram tomando os seus lugares ao som da introdução alargada da canção que abre Gazela, para dar início ao espetáculo. O público não perdeu tempo a reagir e entoou com Tomás todas as palavras. Começou a festa.
Sem nos darem a possibilidade de recuperar o fôlego, seguiram logo para a canção seguinte. Será que é já? É sim! “Teresa” começou a toda a velocidade e, durante um segundo, pareceu que o Coliseu vinha abaixo. A controversa e quase mítica malha, que está para os Capitão Fausto como a “Creep” está para os Radiohead, e que durante tanto tempo deixou de fazer parte das suas setlists, tem a receção eufórica esperada. O público canta letras e instrumentais com igual dedicação. Ai querem a Teresa? Pois tomem, está despachada. Seguimos em frente que ainda há muito para tocar. Continuando a ordem do disco segue-se “A Febre”, com as suas guitarras que lembram uns jovens Arctic Monkeys. Todas as versões são muito próximas das que podemos ouvir no álbum, com a maravilhosa mais-valia de serem tocadas ao vivo, soando assim necessariamente maiores e com muito mais força, alimentando-se da energia que vem do público. No fim, Domingos Coimbra faz as honras da primeira intervenção da noite e dirige-se ao público. “Boa noite, coliseu, como é que estão?” E repete: “hoje vou dar-me ao luxo de dar uma de concerto de estádio, como é que estão?” E não é nada descabida a comparação. Apesar de não ser difícil imaginar os cinco amigos a encherem um estádio, Domingos agradece humildemente o carinho e o apoio que sempre receberam do público, com quem foi um prazer passar os últimos 10 anos. “Este concerto é para vocês. Não é só o Gazela, é esta simbiose que temos tido, muito obrigado!” Introduz de seguida a próxima canção: “esta sou eu que começo, e bem!”

O baixo gingão da “Verdade” começa a ouvir-se e, mais uma vez, o público não hesita em responder com saltos entusiásticos, inspirando a pergunta: conseguirão manter o nível de energia até ao fim do disco? Afinal, Gazela é um disco composto quase inteiramente por clássicos dignos de best-of, todos a pedir saltos e crowd surf. A resposta é sim. “Supernova” mantém o entusiasmo com público e banda num diálogo muito bem ensaiado em que se canta, se salta e se dança nos momentos certos. 10 anos é muito tempo e ouvir algumas destas canções ao vivo já é, para alguns, parte de uma estranha memória muscular. É sempre igual e é sempre ótimo.
Em “Gazela” há finalmente um momento para respirar. A canção instrumental que marca o meio e que dá o nome ao primeiro álbum dos Capitão Fausto começa igual à versão gravada, mas não demora a ficar mais caótica, primeiro com os teclados de Francisco “Ferrari” Ferreira e depois com a bateria de Salvador Seabra. No fim, Domingos pergunta se estaremos prontos para “Santa Ana” e acho que estamos. Outro clássico que não pode faltar nos concertos dos Capitão Fausto, “Santa Ana” põe toda a gente a dançar, como se fosse possível estar quieto. Segue-se “Sobremesa” e estamos a aproximar-nos perigosamente do fim.
“Quando fizemos estas canções tínhamos menos uma década, menos 20 quilos e mais 20 de energia, mas ainda hoje me entusiasmo a fazer isto, e é porque vocês existem, obrigada”, diz-nos Tomás antes de entrarem em “Zé Cid”. No meio do longo instrumental que fecha a música ouvimos algo que não pertence ali, são os versos do refrão de “Don’t Let Me Down”, sugerindo que os Fausto terão andado a ver um certo documentário sobre os Beatles.
Finalmente, “onde há uma gazela também há uma raposa” e acabou assim a primeira parte do concerto. Com o fim da “Raposa” ainda nas colunas e uma sensação de missão cumprida, a banda saiu do palco e voltou a entrar logo a seguir. E agora?
A segunda parte do set começou com “Amor A Nossa Vida”, que arrancou uma reação bastante emocionada e fez saírem dos bolsos vários telemóveis para captar a balada de A Invenção do Dia Claro que Tomás canta ao piano. Ainda ao piano, conta-nos que foram obrigados a deixar o famoso estúdio de Alvalade, projeto que criaram com o amigo Diogo “Horse” Rodrigues e que viu nascer grande parte da editora Cuca Monga. Ainda assim, “ainda ouvimos lá ao fundo o chamamento” e está dado o mote para “Alvalade Chama Por Mim”, porque, tal como aniversários, “também devemos celebrar os fins”.
Seguiram-se “Maneiras Más”, que deixou água na boca por mais canções de Pesar O Sol no alinhamento, “Os Dias Contados”, e “Sempre Bem”, onde, no verso que faz referência aos colegas Zarco, Tomás trocou o nome de Fernão Biu pelo de Gastão Reis, numa discreta, mas bonita homenagem. Com poucas pausas para conversa continuámos a percorrer o alinhamento composto agora maioritariamente pelos dois últimos trabalhos, mas não por isso recebido com menos entusiamo, antes pelo contrário. “Certeza” (onde Tomás e o seu violino substituíram os sopros), “Corazón”, “Faço as Vontades”, “Lentamente” e “Final” fecharam a segunda parte do set, não sem antes agradecerem mais uma vez todo o amor que recebem sempre quando estão só “a fazer a única coisa que sabemos fazer”. Vê-se que a conversa com o público não é o forte nem a prioridade de nenhum deles, mas é certo que a gratidão é genuína e que estão felizes, não só de estarem ali a tocar para nós, como de o poderem fazer há já 10 anos, metade deles de forma profissional, e sentimos todos isso.
Apesar da noite já ir longa havia ainda canções em falta no enorme alinhamento. A banda voltou assim ao palco para tocar “Amanhã Tou Melhor” (de Têm os dias Contados) e o público ainda teve energia para reagir como deve ser ao tão badalado single. Depois de uma longa lista agradecimentos a quem os acompanhou em todo o percurso desde que o Gazela viu a luz do dia (“continuando com o sentimentalismo”), fecharam a noite com “Morro Na Praia” e “Boa Memória”.
Depois de duas horas intensas de concerto, os Capitão Fausto despediram-se longamente (não podemos deixar de mencionar o crowd surf que Tomás Wallenstein ainda fez no fim, mostrado que a paternidade não o fez esquecer como se faz) de uma plateia que os aplaudiu de pé, cansada, mas feliz e de coração cheio. É sempre um prazer vê-los ao vivo e prazer maior tem sido acompanhar a sua evolução e crescer com eles enquanto aprimoram o seu som. Não ficámos surpreendidos com o brilhante concerto com que nos presentearam porque esse é já o nível a que nos habituaram. Sempre concentrados, com um som impecável e com tudo na melhor forma, desde os figurinos aos instrumentos, os Capitão Fausto já encheriam, noutro país qualquer, todos os estádios que quisessem. Por cá ainda agradecem, meio incrédulos, o privilégio de nos poderem mostrar a música que fazem. Ora nós é que temos que agradecer.
Fotografia: Inês Silva