Afinal, não tinham os dias contados. Foi uma boa mentira dos meninos que começaram a fazer indie rock, voltaram-se depois para o psicadelismo e acabaram por encontrar um lugar onde se sentem bem. Chamam-se Capitão Fausto e, ao que parece, estão bem vivos!
Depois do disco que foi unanimemente entendido como o primeiro da idade adulta da banda, os cinco rapazes de Lisboa resolveram cruzar o Atlântico e aterrar no Brasil. Não andaram a brincar na areia nem a beber água de côco e meteram mãos à obra. Foram gravar um novo álbum. De lá trouxeram alguns sons reconhecíveis, e a empreitada acabou por sair bem poética e portuguesa, a começar pelo título que pediram emprestado ao mestre António de Almada Negreiros: A Invenção do Dia Claro. Agora que o disco já se ouve e já se realizaram concertos de apresentação, escutámos os oito temas com a atenção que merecem e depois de bem peneirado, soltámos o veredito: há suficiente sol para que a claridade da música dos Capitão Fausto nos possa preencher o dia.
Desta vez, a banda não se reinventou, antes apostando na continuidade. Não evoluíram, mas também não envelheceram. Parece terem feito tudo para agradar. Às mães e aos seus amores. Fizeram bem. Há um lado infantil indesmentível num dos primeiros temas conhecidos do álbum que agora se apresenta por inteiro. “Faço as Vontades” parece carregar consigo um certo imaginário das cantigas de roda entoadas nas escolas primárias, e a aparente insipiência da letra entronca, muito provavelmente, naquilo que disse Jorge de Sena (os artistas são quem melhor se entendem uns aos outros) sobre a obra de Almada: que ela tem um “tom de menino pequeno que está a falar com a sua mãe”. E, na verdade, depois dos nossos bons capitães terem realizado um disco em que anunciavam a chegada da sua própria idade adulta, a divulgação feita há meses de “Faço as Vontades” parece ter deixado confusas as cabeças de quem imaginaria que os temas novos da banda fossem a prova de que os outrora rapazolas surgissem agora de fato e gravata cinzentos. Erro crasso, uma vez em que nessa faixa vieram vestidos de Peter Pan, embora sem a extrema obstinação que está na base da conhecida personagem de J. M. Barrie.
A Invenção do Dia Claro tem, a espaços, uma certa poética da ingenuidade. Não só nas letras de algumas das canções, como também num certo aligeiramento rítmico e melódico, sobretudo se tivermos em conta os primeiros dois trabalhos da banda. O facto de terem estado a gravar no nosso país irmão poderia pressupor um disco de matizes mais tropicais, mas também isso não se verificou, havendo no entanto algumas exceções que poderão confirmar a regra exposta. É o que acontece com “Certeza”, a faixa de abertura, que para nós é a mais bem conseguida do álbum. A pouco mais de minuto e meio do fim, o tema enche-se de alma, revelando um certo ar sambado, com cheirinho bom a Brasil. Se produzida pelo mago Sacha Amback, esta canção seria um estouro, embora esteja, como dissemos, muito bem como está. No segundo tema do disco também se pode ainda encontrar algum do imaginário brasileiro, sobretudo por lembrar um certo estilo composicional que associamos a Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante nos fabulosos Bloco do Eu Sozinho e 4, os álbuns finais e mais maduros da banda carioca Los Hermanos, sendo que, no entanto, há nela também alguma semelhança com o som Two Tone, dos lendários Specials. No entanto, com “Outro Lado”, o disco perde alguma força (embora seja bonita, a canção), que volta a recuperar na também há muito conhecida “Sempre Bem”, outro dos singles de apresentação deste quarto disco de Tomás Wallenstein e companhia.
O lado B, se assim quisermos dizer, começa com uma bonita balada sobre dor e perda. Nela pede-se uma última oportunidade, uma última hipótese, e enquanto a ouvimos é possível que surja na vossas cabeças um filme de reconciliação em que duas pessoas se envolvem numa dança à maneira dos slows de garagem dos anos oitenta, com direito a bola manhosa de espelhos e máquina de fumos disparados de forma difusa e gasta. Chama-se “Amor a Nossa Vida”, e nela se diz que “andava torta desde o verão”. Apetece torcer para que tudo acabe bem. Depois vem a já referida “Faço as Vontades” e as derradeiras “Lentamente” e “Final”, tudo em pouco mais de vinte e nove minutos. Em “Lentamente”, de novo um certo sotaque a Brasil, sobretudo se pensarmos nas melodias de Rita Lee e Roberto de Carvalho nos tempos loucos do início dos anos 80 em que “Lança Perfume” e “Flagra” faziam furor. A segunda parte do álbum termina com uma balada, exatamente da mesma forma como começa. Nesses instantes finais há um verso que ecoa mais forte e alto do que qualquer outro. Diz “se eu não ficar contigo é tudo em vão”. E nós respondemos: está tudo bem, Capitão Fausto! Claro que estamos convosco, amigos!