Num Coliseu dos Recreios quase esgotado para ver os Idles, o espaço ainda era grande demais. Tantos pés no chão, outros tantos no ar, mas todos eles o mais próximo possível uns dos outros para celebrar o regresso à liberdade onde um concerto é um amor partilhado.
Poucas semanas depois da abertura dos portões do inferno com o fim das restrições, ainda na frescura da redescoberta do mundo, a nova data de IDLES não podia ser mais oportuna. É certo que o alinhamento de sonho do concerto anunciado para 2021 – com Porridge Radio e Girl Band – não se concretizou, mas depois de uma abstinência tão prolongada, a melhor coisa que podiam oferecer ao público português era exactamente não ter de ver um concerto de IDLES sentado. Caso contrário poderia haver cadeiras a voar. E a julgar pelas bancadas, nem a ocasional dor de costas parecia cansar os que tinham direito a elas.
Para a tour deste ano fizeram acompanhar-se por Witch Fever, um quarteto feminino inglês de doom-punk carregado de poder e escuridão (a apresentar o recente EP Reincarnate) e pelos nova-iorquinos Bambara, talvez mais difíceis de catalogar. Os próprios associam-se a géneros como deathrock e cowpunk, mas a melhor forma de os descrever talvez seja como música alternativa com influências de post-punk e noise, e algumas semelhanças a Iceage. O ambiente estava criado: a avidez aliada às guitarras ansiosas e a dormência começava a ser substituída pelas ganas de partir tudo.
E que melhor forma para começar do que com a faixa que abre o álbum que os catapultou para a ribalta? A passo lento e em velocidade crescente, “Colossus” foi a própria antevisão do que seria o concerto: a meio gás a princípio, exponencialmente mais enérgico, até à explosão inevitável como o pináculo da catarse. E na loucura que o caracterizou – e que se multiplicou – houve elementos a tocar no meio da plateia, nas bancadas, no ar, e um medley aleatório e divertido com “Linger”, “Time of My Life” e “All I Want For Christmas is You”. Houve pulmões revoltados com “War” e incansáveis até ao fim.
Com um ano de atraso para o concerto, a setlist ganhou também um novo álbum. Lançado em Novembro do ano passado, Crawler trouxe novas experiências sonoras e uma identidade capaz se continuar a explorar. Se “Car Crash” traz um gostinho a Death Grips, “Meds” faz lembrar os seus conterrâneos Sleaford Mods e até uma balada já faz parte do repertório (“The Beachland Ballroom”). Mas tanto em disco como em concerto, todas estas peças fazem parte do mesmo puzzle que ainda deixa espaços em branco para as peças vindouras.
As peças mais importantes – ou pelo menos aquelas que fazem da plateia um trampolim – estiveram todas presentes. “Mother” arrancou coros indiscriminadamente, “Television” pegou fogo à plateia, e “I’m Scum”, “Danny Nedelko” e “Rotweiler” (de Joy as an Act of Resistance) foram estrategicamente guardadas para o final, numa altura em que no ringue da plateia já se partilhava tanto suor como amor. “Eu não falo português, mas certamente falamos a mesma língua – a língua do amor”, disse o vocalista Joe Talbot, com razão.
O fim da abstinência de concertos pode ter deitado abaixo o muro que reprimia este amor. E parece absurdo, mas o rock consegue sempre vingá-lo.
(artigo ainda em actualização, fotos brevemente)