Quando um concerto acaba com o público todo em pé, a repetir em coro durante alguns minutos a frase forte da última música que ouviu, é sinal de que a coisa só pode ter corrido bem. E correu! Mas nem sempre foi fácil. Tocar numa tão aprumada sala como o CCB é uma corrida de grande responsabilidade. Mais ainda quando a banda em questão é uma pouco óbvia escolha para actuar num auditório assim. E os Capitães da Areia acusaram o toque.
Primeiro, porque a música deles não foi feita para gente sentada, mas foi esse o cenário que encontraram quando entraram em palco. Depois porque, caramba, estão a tocar no Centro Cultural de Belém, só o nome impõe respeito. Talvez por isso, tenham começado o concerto meio receosos. O capitão-mor, Pedro de Tróia, deixou a voz tremer uma ou outra vez durante as primeiras músicas, o público ia somente abanando o pé – quando as primeiras três músicas pediam crowdsurf (“A Partida para o Espaço”, “Beijos Espaciais” e “Nasci Para Enriquecer”) – e o ambiente estava morno, apesar de a Capitã Inês Franco ir dando o exemplo dançante. Sentia-se da banda um certo medo de falhar, a ocasião era de facto solene, mas esses receios jogaram contra o grupo, que estava demasiado rígido durante as primeiras canções, enquanto fazia uma espécie de reconhecimento ao espaço e tempo presentes. A juntar a isto, a timidez do público português que só mediante convite começa a apoderar-se da sala.
Depois de umas 5 ou 6 músicas em que público e banda estavam ainda em aquecimento, foi graças a Lena D’Água que tudo mudou. Já é habitual a versão dos Capitães para “Sempre que o Amor me quiser”, e foi aqui que o público começou a mostrar que estava de facto na sala. Das cadeiras cantava-se em coro, alto o suficiente para se ouvir em palco, forte o suficiente para dar gás aos artistas. Logo aí se começou a notar que a voz de Pedro de Tróia ganhava outra fibra, todo ele ia ganhando um maior à-vontade, que lhe conhecemos mas que até aqui estava perdido nos bastidores do CCB. E a partir daqui, o concerto subiu vários patamares.
“Às Minhas Dores”, do álbum de estreia, trouxe um rock com brisa marítima e fez os primeiros aventureiros largar os seus lugares e abeirar-se do palco, a fazer o que a música pede – dançar. A rigidez imposta pelo regime das cadeiras começou a desfazer-se, mais e mais gente se ia juntando em frente ao palco e nas escadas e em qualquer espaço onde desse para estar em pé – e agora sim, estamos num concerto de Capitães da Areia. E agora sim, eles estão na sua praia.
Literalmente praia, porque a música deles tem muito de tropical. “Bailamos no Teu Microondas” fez aquecer definitivamente o ambiente, com os ritmos a lembrar Graceland, liderados pelas guitarradas endiabradas de Tiago Brito, que está cada vez melhor guitarrista. Com o público já conquistado, tudo aos saltos nas laterais, a fazer comboio nas escadas e demais espaços vazios da plateia, “Moça Emoção” já soa consistente na voz do Capitão Tróia – mesmo na parte cantada, em disco, com o quase rap gingão de Samuel Úria. Outrora, sentia-se essa falta de jogo de cintura, mas agora o nosso frontman com purpurinas já dá conta do recado com distinção. Nota a destacar, a inclusão de um novo membro no grupo, Tomás Gonçalves, que trata de alguns sintetizadores e baixo, o que empresta às músicas um balanço incrível. Alimentados pela energia que vem da plateia, arrancam para uma jam session que podia ser protagonizada pelos Throes + The Shine, quase rock-kuduro, à qual colam “Dezassete Anos”. E aqui houve invasão de palco, mais de uma dezena de jovens moças e moços – incluíndo o garoto que protagoniza o novo teledisco – foram dançar ao lado dos músicos, até serem expulsos pelo chefe de sala. Não importa, voltam a encher as laterais do Pequeno Auditório, que a noite é de festa e já ninguém se senta.
Após “Menina Bonita do Cinema”, os Capitães abandonam o palco, mas não há naquela sala uma alma que esteja disposta a ir para casa. E fez-se como antigamente, chamou-se a banda com todos os meios possíveis, palmas, assobios, gritos, pateada. Entra então Tiago Brito, para um belo momento a solo à guitarra, ambiental e delicado, como que a dar ao público uns momentos para descansar. Três minutos bastam, entra o resto da banda e volta a festa, com o “Arco das Portas do Mar” e uma nova interpretação de “A Partida para o Espaço”. E é sempre curioso um concerto que acaba com a mesma música com que começou, habitualmente a segunda versão é bem mais efusiva que a primeira e neste caso, deixou todo o auditório a gritar “Quero pão com marmelada”, mesmo quando a banda já estava nos camarins, com a sensação de dever cumprido.
Nesta altura já não há por onde enganar: os Capitães da Areia são uma grande banda de pop e rock nacional. Sim, os sintetizadores dão um ar mais electro à coisa, mas a génese da música deles é, primeiro, o rock – ainda mais ao vivo, em que parece que António Moura vai rasgar a bateria em cada música. Depois, é pop do mais fino calibre, com refrões que se colam ao céu da boca com uma facilidade enorme. Ao vivo, tudo cresce e ganha uma energia bem mais crua, mantendo-se sofisticada.
Este concerto dos Capitães da Areia no CCB foi a consagração de uma grande banda. Já passaram 5 anos desde que lançaram o primeiro álbum e já estão numa fase em que podem fazer uma espécie de retrospectiva – e foi isso que aconteceu. Como o último disco, A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70, já tem mais de um ano, já não estão reféns desse álbum e podem, em concerto, escolher um repertório bem mais variado, alternando entre a viagem pop ao cosmos e o tropicalismo do Verão Eterno. Podem também começar a pensar num novo disco, que já provaram que as suas capacidades de reinvenção resultam lindamente e, façam o que fizerem daqui para a frente, vai decerto soar bem.