Uma viagem pelo Cosmos pode ser uma coisa pop. E pode ser feita no Verão.
Foi disso que se tratou a noite de sábado no Musicbox. Sala completamente cheia, com gente que tinha estudado a lição e trazia as letras na ponta da língua. A noite estava ganha antes sequer de eles entrarem em palco.
Quando entraram – todos de branco, dos pés à cabeça – os Capitães da Areia ainda não sabiam bem que era noite de consagração.
Abriram com “Arco das Portas do Mar”, logo cantado em força pela plateia, enquanto o capitão Pedro tentava perceber o que raio era aquilo, ainda com engasgos na letras, mas não faz mal, cantamos nós. Rapidamente se deu conta – aquela multidão estava ali para se divertir, claro, mas principalmente para aclamar o grupo. A palavra certa talvez não seja culto, é mais euforia. Os Capitães da Areia têm de facto uma torcida bastante efusiva.
Tomando noção disso, e de que estávamos ali todos para dançar, os Capitães logo arrancaram, não se acanharam e deram tudo, porque a noite assim o justificava.
Na frente de palco, envolto numa bandeira e com purpurinas na cara, Pedro de Tróia assumiu-se timoneiro desta veraneante viagem ao Espaço. O garoto franzino, imberbe, meio tímido, de “Bailamos no Teu Microondas” está um verdadeiro frontman, folgazão qb, cheio de atitude a comandar o barco/foguetão. A propulsão está por conta do Capitão António (Moura), certeiro e vigoroso na bateria. Na casa das máquinas – audio e visuais – a nova capitã, Inês Franco.A segurar o leme e dar as coordenadas, o Capitão Tiago (Brito). É dele que saem as melodias completamente viciantes que fazem a música dos Capitães da Areia. E se no disco, A Viagem dos Capitães da Areia a Bordo do Apolo 70, é tudo mais baseado nos teclados, ao vivo Tiago Brito quase nunca largou a guitarra, e ainda bem! Tremendas guitarradas, cheias de inspiração afro e funk, dão às canções do …Apolo 70 uma dimensão bem mais forte, mais orgânica que em disco, mais veraneante, mas sem perder nunca o tom espacial do álbum.
Este foi o primeiro concerto, oficial, de apresentação do novo disco. Quem já o ouviu – ou leu a ficha técnica – sabe que está repleto de convidados. Seria então de esperar alguns deles esta noite, não? NÃO!
“Nós somos os Capitães da Areia e estamos de volta!”, disse Pedro de Tróia na despedida. E de facto, é disto que se trata. De afirmar a identidade! Sim, os convidados dão ao disco um certo brilho, mas isso é uma coisa gravada, fechada, que capta um momento específico. As canções são dos Capitães, valem por sim mesmas, não precisam de artifícios para ficar interessantes. E são interessantes, bastante, para ficarem só nas mãos destes três capitães e uma capitã. Quanto às partes que em disco são feitas por convidados – o timoneiro Pedro ficou apenas uns furos abaixo da ginga “rapper” de Samuel Úria em “Moça Emoção”, mas de resto nem sentimos falta. Aliás, o vocalista conseguiu o mais difícil – replicar com distinção as partes cantadas por Rui Pregal da Cunha e Toy (“Vai pró Galeto pensar na vida”).
Ao longo de 1h45 percorreram o novo disco e lembraram alguns temas antigos [alinhamento ali em baixo, depois das fotos]. Misturados ao vivo, o Verão Eterno e o …Apolo 70 vão lindamente enfaixados um no outro. Lá está, a guitarra tremenda do capitão Tiago puxa as músicas do novo disco para um pouco mais perto do Verão; as máquinas e teclas aproximam as velhas canções deste novo universo sonoro do grupo. Umas e outras, ganham mais víscera tocadas ao vivo, mas mantêm todos os elementos que fazem de cada uma destas canções um single imediato.
Entre os dois álbuns de estúdio, os Capitães ainda se desviaram para homenagear uma das convidadas do novo álbum, com uma versão de “Sempre que o amor me quiser“.
Homenagearam também o ex-capitão Vasco (Ramalho), que largou o foguetão para ir atrás das ninfas e que veio de Munique de propósito para tocar duas canções, “Raparigas da Minha Idade” e “Dezassete Anos” (Pedro de Tróia chamou-lhes “clássicos, na nossa pequenez”), e para se atirar em surf pela plateia. O mesmo número foi repetido mais tarde pelo vocalista, já no encore. Talvez já estivesse planeado esse sair e voltar a palco – hoje em dia o encore já faz parte do alinhamento dos concertos, antigamente só acontecia quando o público pedia com muita força. Neste caso, pediu com força e com fome: “Quero pão com marmelada!”
Lá regressaram, para nos dar o que pedíamos: “A Partida para o Espaço“, mas já sem os primeiros versos, directamente a partir do refrão. Acabaram o concerto como começaram, com o “Arco das Portas do Mar”, num culminar do êxtase de público e banda ao longo noite.
Noite de festa – a música dos Capitães não se presta a outra coisa – e noite de conquista, de consagração de uma grande banda. Simples e eficaz. Não querem ser mais do que miúdos que se divertem a fazer música e, no caminho, divertem quem ouve. É como eles dizem: “nós consideramos mais o nosso disco um teatro de revista do que uma ópera“. Estão agora muito mais confiantes no seu negócio, fazem cançonetas leves, directas, de uma pop bem apurada. E isso chega, não é preciso mais nada à volta!
Fotos: Mafalda Piteira de Barros
Os Capitães da Areia tocaram:
– Um Novo Renascer + Arco das Portas do Mar
– Partida para o Espaço
– Amor Exige Propaganda
– Moça Emoção
– Grécia Revista e Aumentada
– Nasci para Enriquecer
– Os Mistérios da Poupança
– Sempre que o Amor me Quiser
– Raparigas da Minha Idade
– Dezassete Anos
– Menina Bonita do Cinema
– No Tempo das Sereias
– Beijos Espaciais
– Canção Indigestão
– O Duelo dos Reis
– Ájax
Encore
– Partida para o Espaço
– Arco das Portas do Mar