Burial sempre foi vulnerabilidade. Burial foi vulnerabilidade, Untrue foi vulnerabilidade. Vulnerabilidade dissimulada, vulnerabilidade encoberta, porém. “Distant Lights”, no álbum de estreia, adensa e enclausura, num exemplo paradigmático da ambiência burialiana, dessa que enegrecida, embrenhada em agressividades texturais e tensas contenções, se permeia homogénea. A narrativa é flat; ao invés de pulular na variedade dos graves — e, oh!, se a há —, sai intensificada pela sua reiteração, pela sua reafirmação. Burial é elíptico, e é a circularidade das composições que lhe confere tanto disparidade quanto legitimidade ao estilo.
Não significa isto que se trate de uma massa amorfa, a ambiência, de um esforço de empanturranço e saturação gravosos de cada faixa para salvar o conceito. Se não pulula na variedade dos graves, saltita Burial, volta e meia, num escape de dissonância, no beat clandestino, no spoken word. É o caos na ordem; a dispersão na contenção. O atemperar do som. Lá vai ele, a construí-la, à ideia, pausadamente, respirar fundo, e logo dinamiza a coisa. Talvez seja capricho, e talvez reminiscência aphex-twiniana; contudo, confere equilíbrio. Burial vive de sensibilidade para a harmonia e coerência.
«Rival Dealer», faixa homónima do EP parido em 2013, é a expressão so far máxima do contexto burialiano. Do frenesim uptempo, dos clamores vocais, da urgência e angústia, do maximalismo; não antes se havia visto esta desenvoltura do caos de Burial. É uma questão de maturação, que, nem como oxímoro, meandra por uma estrutura pretensamente rapsódica, em que os (coisa de) 11 minutos da faixa contornam o bradar inicial e a industrialidade belicosa (numa referência mais polida a Yeezus, quem sabe) secundária e retumbam delicadamente em melodias frondosas, obviamente contrastáveis com a frustração que dantes ia irrompendo, quase panegíricas, quase gregorianas, ascendendo — Godspeed! You, Black Emperor, alguém? — meigas e indulgentes. E a evolução é persuasiva, e o ouvinte não questiona. É natural e segue exactamente o percurso esperado, seja lá qual for. Há um fio condutor, porém: o que passa pelos reflexos identitários daquele spoken word: “This is who I am”, “It’s about sexuality, it’s about showing a person who you are”, “Sometimes you are trying to find yourself / And you run away always”. A identidade, a indefinição da sexualidade, é o que carrega o peso do clamor e da urgência e da angústia; da industrialidade belicosa; das melodias frondosas e delicadas. Transversal é a struggle, a vulnerabilidade da identidade, e é aquilo em que se inculca qualquer inflexão que se escute em Burial. E que dinâmico, nossa senhora, que dinâmico é o Eu para Burial.