O ímpar statement do ecletismo sexual. Tão-só. Grace Jones, no álbum autobiográfico de Nightclubbing, incorpora a persona, a figura que ela própria representa. Quiçá a mais andrógina da cultura pop, quiçá a mais pertinente e relevante no mesmo tema, ao extravasar e redefinir as estruturas sociais perante a sexualidade e sua relação para com o indivíduo, Grace Jones é o statement. Assim como Kevin Shields é o espelho do desespero abrasivo shoegazy dos 90s, do estado de confusão e dispersão dos pré-millennials, Jones é o embodiment paradigmático do hibridismo de género, da subversão do binarismo normativo social.
“Walking in the Rain” é fierce, é raw, é empowering. (O português não me ajuda nestas descrições; o legado vocabular anglístico é anglístico, independentemente da minha lusofonia, e Grace Jones tem sua quota-parte no delinear da imagética linguística da cultura queer contemporânea.) O baixo saltita, tem livre-arbítrio. A atmosfera um terço R&B, um terço disco, um terço new wave molda-se à sombria, embora cromática, passerelle de que Grace faz a elegância da faixa. A posição da vocalista, modelo, etc. na sua narrativa é em si mesma uma demonstração de independência e emancipação: Jones está “walking down the street”, “feeling out of place”, “walking in the rain”, e nunca essa imagem soou tão insubordinada. Põe-se feita flâneur, “Looking at the billboards”; “Summing up the people / Checking out the race”, o que lhe endireita o corpo, espeta o peito, levanta a fronte, confere altivez; a altivez de ser quanto bem lhe apetecer, o que bem lhe apetecer seja “feeling like a woman”, seja “looking like a man”. A submissão está do lado de quem a olha num espanto inseguro, desses “vulgar fools”, porquanto é ela quem está “Whistling in the dark, / Shining in the light”. É ela quem inverte os papéis.
Jamais essa retórica fora tão sensual, tão provocadora, tão self-assured, e tão pertinente, e tão ponderada. Jamais a subversão do arquetípico fora tão propositadamente radical. Inclusivamente, “Nightclubbing”, mais além em Nightclubbing, original de Iggy Pop, ouve-se aqui aveludada. O espectro de Grace é indulgente — até perante a perspectiva punk-ish do frontman de The Stooges —, exceto para com a rigidez normativa. O género não pode plastificar a identidade, gente; por Grace Jones, o género celebra a identidade. E é uma festa. Na gíria contemporânea — desta feita da gemada portuguesa —, o arraso. Isto é o arraso.