Private Reasons é o mais recente disco a solo de Bruno Pernadas, mas é também, e sobretudo, uma peregrinação sonora ao que está simultaneamente longe e perto de nós: o mundo e a sua diversidade!
Foi em 2014 que Bruno Pernadas nos entusiasmou com o seu primeiro registo em nome próprio. How Can We Be Joyful In a World Full Of Knowledge apanhou-nos de surpresa, e o pequeno mundo português rendeu-se aos encantos desse grande álbum que misturava jazz com linguagem space age, eletrónica e pop, e ainda outras sonoridades mais ou menos exóticas de bom e requintado gosto. Um pouco mais tarde, em 2016, o prazer foi duplo, uma vez que numa única cartada sairam à luz do dia os discos Worst Summer Ever e Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them. Em ambos os registos, a marca do pequeno génio fazia-se notar nas composições, nos arranjos e na produção, embora de forma diferenciada. Enquanto no primeiro o que se ouvia pendia para um jazz mais progressivo, mais arrojado e contemporâneo, já no segundo a colheita seguia caminhos ligeiramente mais variados, provável espelho de um universo particular que se estendia pelo jazz americano dos anos 50, mas também pelas arenosas guitarras tuaregs. Era o resultado de um músico do mundo, podemos dizê-lo, que soube entender e transportar a linhagem da presença portuguesa no mundo, desde o oriente até ao ocidente, circunavegando-o cada vez mais à sua maneira. Até que, em tempos de recolhimento, surge Private Reasons, novo bilhete sonoro que nos faz, passo a passo, viajar por geografias distintas, piscando o olho ao sol nascente, mas trazendo também um certo calor da África que nos está próxima. É, no fundo, uma espécie de síntese dos álbuns de 2016. Com este registo, e na opinião do próprio músico, fechar-se á um ciclo. Assim sendo, vamos ao que Private Reasons tem de significativo, que para não variar é muito e é especial.
A primeira coisa que nos apraz referir é que Private Reasons é um disco intrinsecamente pop! Luminoso, radiante, belo e repleto de boas ideias em diálogo constante e permanente. É, ao mesmo tempo, um quebra-cabeças, sobretudo pelas constantes mudanças de direção, pelos caminhos labirínticos para onde se dirige cada canção, mas que encontra, todavia, espaços luminosos e amplos onde desaguar. A canção escolhida para single de apresentação de Private Reasons é, eventualmente, a mais pop de todas elas, e são treze ao todo. Chama-se, como já saberá, “Theme Vision” e cheira à primavera sonora dos early sixties, com sopros de psicadelismo que lhe ficam a matar. O início vocálico do tema é Beatles puro! Mas como tudo muda (ou pode mudar) no instante seguinte, atentemos ao amplo cardápio: “Family Vows” segue a mesma linha do single, algo que já não sucede com “Lafeta Uti”, espécie de afro-beat louco e cativante. “Fuzzy Soul” acalma os ânimos e transporta-nos, em delírios sonoros vários, ao oriente, com efeitos de voz que garantem uma estética muito particular ao tema. Mas há mais (há sempre mais, sobretudo se a escuta for atenta e feita com headphones): há inspiração clássica no tema “Little Season II”, coisa absolutamente inédita na obra de Bruno Pernadas em nome próprio, assim como podemos encontrar em “Recife” um potencial tema para uma imaginada banda sonora de um filme nipónico, por exemplo. Cada um viajará à sua maneira, marcando destinos mentais possíveis a cada nova faixa. Não nos parece, mesmo assim e apesar de tantas rotas sonoras desenhadas ao longo de setenta e quatro minutos, que exista perigo de nos sentirmos lost in translation. Para mais, Minji Kim foi convidada a cantar dois temas (“Jory I” e “Jory II”), que acabaram por ser gravados em coreano, apesar das letras originais serem lusas, e em ambas as composições há sintetizadores kraut que não enganam, lembrando alguns momentos da banda Harmonia, assim como em “Brio 81” o registo se inclina mais para um certo prog à maneira de Jethro Tull. Como se percebe, no caldeirão de Bruno Pernadas os ingredientes são sempre ricos e variados, talvez um pouco impróprios para palatos sonoros menos requintados.
Com inicialmente se referiu, Private Reasons termina um ciclo, carimbando o fim de um caminho repleto de cores e luz. É, sem sombra de dúvida, um ponto final cheio de estilo! É exuberante, viçoso, dá luta e deslumbra pela riqueza que apresenta. E um disco assim, quando os dias de abril vão já mostrando algum do sol que tanto desejamos, é mais do que bem-vindo. É, pode dizer-se, salvífico!