Uma viagem eclética por uma mão-cheia de universos musicais, bebendo inspiração de todos os cantos do mundo – desde o swing cuidado da América de Dave Brubeck, às guitarras soalheiras a chamarem à boca um travo da música tuareg do Norte de África.
Dois anos após o aterrar do colorido How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge nos áridos solos do terreno musical nacional, eis que o aclamado músico e compositor Bruno Pernadas regressa de rompante. Chega-nos a nós, terráqueos, com não um, mas dois presentes: dois novos discos que o grande público poderá conhecer no dia 23 deste mesmo mês. Numa mão, Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them, descendente direto do seu disco de estreia. Na outra, Worst Summer Ever, um produto que promete espelhar uma linha de jazz mais canónico e bem-comportado, talvez revelando-se um piscar de olhos ao passado académico de Pernadas, que, afinal de contas, terminou o curso na mesma área na Escola Superior de Música de Lisboa.
Atentemos agora no primeiro de dois. O disco, cujo título comprido e intrincado já chama a memória aquele do seu primeiro projeto – ambos pedem emprestadas para o seu nome grandes máximas que se assemelham a citações imponentes, mas que de facto parecem ter sido engenhadas fora da nossa realidade tangível – é de uma organização imaculada na sua apresentação, contendo dois grupos distintos de canções, cada um iniciado por um curto poema. A ideia de serem estes dois poemas, dois poemas caricatos, surreais, ilógicos, enunciados por uma voz de algodão que lembra as vozes de rádio dos exercícios das aulas de inglês, a darem o pontapé de saída para cada uma das quatro músicas que se seguem, anuncia logo o mote ao qual Pernadas já nos havia habituado com How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge: levem-me a sério quando vos falo em coisas sem sentido.
Aliás, é em várias arestas que este Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them nos recorda um dos discos mais aclamados pela crítica e pelo público no ano de 2014. Acaba por ser, tal como o seu antecessor, uma viagem eclética por uma mão-cheia de universos musicais, bebendo inspiração de todos os cantos do mundo – desde o swing cuidado da América de Dave Brubeck, às guitarras soalheiras a chamarem à boca um travo da música tuareg do Norte de África de “Problem Number 6”, à mistura infinita de sabores na faixa “Ya Ya Breathe”, na qual nos vemos rodeados tanto de música indiana como de secura experimental a recordar uns tais Sonic Youth.
É verdade, a música de Pernadas acaba por ser uma viagem em torno do planeta, fazendo paragens para recolher de cada canto um trecho possível, moldando-o cuidadosamente à sua medida nas cordas da guitarra. No entanto, o único problema deste disco, fora isso fácil, criativo, colorido, memorável, agradável e talvez até imaculado no que lhe compete fazer é que já o ouvimos antes. Já o ouvimos e chama-se How Can We Be Joyful in a World Full of Knowledge. Já fizemos esta viagem, já visitámos estes templos e florestas e rios e lagos e monumentos históricos, já ouvimos estas guitarras e vozes e sintetizadores e samples emprestados de mansinhos para cozinhar uma delicadeza nacional da qual já ficámos cheios à primeira.
Não é dizer que Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked To Retrieve Them não tenha os seus próprios momentos altos, aqueles que são única e exclusivamente seus: “Spaceway 70” não deixa de ser um single belo, que certamente encantará estações de rádio um pouco por todo o país; e a discreta e sedutora “Because it’s hard to develop that capacity on your own” não deixa de ser um dos esforços mais subtis de Pernadas até à data. No entanto, todos sabemos que a iguaria sabe bem à primeira, mas que, às tantas, as garfadas começam a custar a entrar. Por isso é que continuamos, de bilhete na mão, à espera da próxima viagem na qual Pernadas nos leva de boleia, esta numa direção completamente nova para ele e para nós.