Os black midi estão de regresso com Hellfire. Ao terceiro álbum, os irrequietos londrinos conseguem manter bem identificáveis as suas excêntricas particularidades, embora de maneira ligeiramente mais friendly.
Já tanta coisa se disse sobre os black midi, sobretudo no sentido de se identificar o tipo de música que fazem, que não será nossa intenção perdermos muito tempo com isso. São tão peculiares, tão diferentes de tudo o resto, que talvez o melhor seja que nos resguardemos na intenção de tentar tornar claro um estilo e um conceito que pouco ou nada possuem de clareza ou transparência. Talvez não valha mesmo a pena, até porque o que mais importa é ouvir os seus discos e decidir se lhes damos thumbs up ou thumbs down. Ao artista, como bem sabemos, cabe trilhar caminhos, sejam eles quais forem. Aos ouvintes caberá encontrar nesses trajetos eventuais pontos de interesse, de prazer ou perceber que não nos levam onde verdadeiramente queremos ir. E nós só gostamos de estar onde nos sentimos bem, onde alguma faísca se acende para conforto dos nossos sentidos. Ora tudo isto vem a propósito de Hellfire (Rough Trade Records, 2022), a terceira proposta em formato de longa duração dos black midi. É recente, bem fresquinha, e traz algumas (pequenas) surpresas.
Depois da interessante e extraordinária imperfeição que foi Schlagenheim (2019) e da adorável e angustiosa opressão de Cavalcade (2021), Hellfire teria de ser, seguramente, um álbum esperado com certa dose de expectativa. O que fariam eles a seguir? E isso fomos sabendo através dos três singles que precederam o disco grande (“Welcome to Hell”, “Eat Men Eat”, and “Sugar/Tzu”), e que só agora conhecemos de corpo inteiro, através das suas dez composições, isto se contarmos com “Half Time”, espécie de interlúdio e pouco mais. Assim sendo, a primeira coisa que apetece dizer é que Hellfire não pode ser ouvido apenas uma vez, isto se quisermos dar-nos ao trabalho de tentar entendê-lo. E ao fazermos isso, ouvindo-o de forma repetida, notaremos com alguma facilidade que este terceiro conjunto de temas traz momentos de uma muito estimada coesão, mesmo que o aparente (e verdadeiro, mesmo assim) caos que os londrinos gostam de instalar naquilo que fazem se mantenha, de algum modo. A voz narrativa que se escuta em vários temas ajuda a essa união, a essa linha de aderência, digamos assim. Outra interessante constatação é que alguns temas são um pouco mais imediatos, mais amigos do palato auditivo, como é o caso de “Still”, mesmo que nele alguma engenhosa excentricidade apareça, lá pelo meio da canção, como uma espécie de trovão, de raio inesperado, mas que esfuma logo a seguir. De alguma maneira, o mesmo (ou quase, vá) acontece em “Dangerous Liaisons” ou ainda em “The Defense”, tema que bem poderia surgir na voz de Paul Anka ou Tony Bennett. Sim, é mesmo verdade, não estamos a brincar. No entanto, o álbum continua a revelar alguma da urgência dos anteriores, algum do hipnotismo sufocante que sempre existiu nas propostas da banda de Geordie Greep, Cameron Picton e Morgan Simpson. Se neles continuam a existir algumas idiossincrasias, serão essas, seguramente.
A bem da verdade, e apesar de uma ou outra surpresa, Hellfire continua a revelar uma banda que não será para todos os ouvidos. Uma banda que pode cansar quem a ouve de forma insistente. Mas não há mal nenhum nisso, antes pelo contrário. São muitas as vezes em que o desafio experimental supera o prazer das coisas certinhas e pré-fabricadas, do embrulho com laço bonito, mas de conteúdo quase vazio. E, num certo sentido avant-guard que nunca deixou de ser o centro do que os black midi fazem, Hellfire é excitante e sofisticado. Bastante, até. E no rock, a excitação e a inquietação sempre tiveram algum fascínio, certo?