Bridges Not Walls é o novo disco de Billy Bragg. Revela uma visão preocupada com o estado de coisas à sua volta e à nossa volta também. Como sempre, sabe bem ouvir o que tem para nos dizer.
Não ouvíamos nada de verdadeiramente seu desde Tooth & Nail, disco do já distante ano de 2013. E mesmo agora, o que Billy Bragg nos dá é apenas um mini LP, o que não sendo muito, vai servindo para atenuar algumas saudades que íamos tendo dele. Assim sendo, é bom poder escutá-lo e dizer que o maior working class hero inglês das últimas décadas está de regresso. Como seria de esperar, vem de boca afiada e de guitarra em punho, mas também com um magnífico piano baladeiro mesmo no final do álbum, e pronto, como sempre, para (des)agradar, conforme o lado da barreira em que nos colocarmos. Mais do que a mensagem política explícita endereçada a Trump, Billy Bragg ainda dispara para outros lados, abordando as sempre atuais temáticas das alterações climáticas, doo racismo e do Brexit. O estilo é o mesmo de sempre, aquele que lhe deu reconhecimento: música de combate, com raiva nos dentes e nos acordes, nas palavras, que sendo agrestes quando não podem ser de outra maneira, são também, por vezes, poemas de inteligência e ternura depuradas. Mas aqui há igualmente delicadeza, e canções de absolutos contornos clássicos. Tudo isto em apenas seis temas, os que compõem Bridges Not Walls, lançado no início do passado mês de novembro. You’re very much wellcome, Mister love and justice.
Na capa do mini álbum, a advertência bem visível do músico: “As always, these songs are my way of trying to make some sense of what’s going on. And there’s been a lot going on.” Deixada a observação, para que depois não se possa dizer que se foi apanhado em contrapé, Bridges Not Walls vai desfilando lamentos, preocupações, visões repletas de ética e honra, fundamentos morais que há muito se afastaram do centro do cenário musical, mas nunca do canto empenhado do bardo que nasceu há sessenta anos nos subúrbios da capital inglesa. Como indivíduo atento e preocupado que sempre foi, Billy Bragg teve, nestes últimos tempos, muito com que se entreter. Basta começar por recordar a votação tangencial de 23 de junho de 2016 que levou o Reino Unido ao Brexit. Nesse mesmo ano, os Estados Unidos da América elegeram Donald Trump como presidente. Nenhuma destas questões passou ao lado das preocupações de Billy Bragg, assim como o que delas acabou por acontecer, tanto do ponto de vista das políticas ambientais, como do ponto de vista da degradação dos valores da solidariedade humana. Este é o nosso pouco admirável mundo novo! Este é o tempo das grandes interrogações quanto ao futuro mais próximo! Este é o disco que põe tudo isto em jogo e em equação. E quem melhor do que Billy Bragg, esse “milkman of human kindness”, para musicar os problemas e os riscos globais que temos em mãos?
O disco abre com “The Sleep of Reason”, canção sobre a balofa retórica do balofo pensamento do balofo Trump. Cheia de garra e de riffs secos de guitarra à boa maneira do distante Life’s a Riot With Spy Vs Spy, há um verso-aviso que fica na cabeça, mais do que qualquer um dos outros: “the sleep of reason produces monsters”. Depois segue-se a tranquila “King Tide and the Sunny Day Flood”, tema em que as preocupações ambientais se destacam (“the King Tide is a-coming / Going to sweep everything away”). A meio do disco, “Why We Buid The Wall”, e o som passa a ser de raiva pouco contida, não só nas palavras, mas sobretudo na rudeza fria e suja dos acordes elétricos da guitarra, o instrumento preferido de Bragg, a “máquina que mata fascistas”, como costuma inscrever na sua, à maneira do que também fazia Woody Guthrie. Mas como “to love is to act”, Billy Bragg louva o sorriso viral da bonita Saffiyah Khan na manifestação anti-imigração organizada por um grupo de extremistas de Birmingham, em abril deste ano. A canção tem o seu nome no título (“Saffiyah Smiles”) e é bela e delicada, como o referido sorriso que terá deixado perplexo o abrutalhado manifestante que a enfrentou. No refrão canta-se “This is what solidarity looks like”. Perto do fim, “Not Everything That Counts Can Be Counted”, mais uma canção de protesto sobre os mercados, as pessoas, as ideias que o sistema impõe como verdades inatacáveis, sobre a agenda escondida dos políticos ingleses a propósito do que viria a ser o Brexit. E assim, para terminar, a visão irónica, sofrida, poética, confrangedora de um idoso que vota para que a good old Albion vire costas à União Europeia , tudo pelo receio, pelo medo de que o futuro próximo se distancie demasiadamente daquele patriótico tempo que se viveu no passado, em que a Inglaterra era dos ingleses e não do mundo, e não da diversidade de raças e credos em que se tornou. Os fantásticos versos da canção não enganam. Dois exemplos apenas. O primeiro para percebermos o problema: “It’s true that their kids are respectful / They gave me their seat on the bus / But it’s just that there’s so many of them / That I fear what will become of us.” O segundo para entendermos a precária e ilusória solução apresentada: “But it’s alright, alright / I think I’ve found a remedy / Yes it’s alright, gonna be alright / It’s a full English Brexit for me”.
Já vai longo o texto, contrastando com o pequeno álbum que Billy Bragg nos deixou neste final de ano. Saibamos ouvi-lo e entendê-lo, fazendo fé nos nossos próprios julgamentos e convicções. É isso que Billy Bragg quer, que sempre quis, mesmo que nos exponha os seus com o vigor e a determinação de quem tem a razão do seu lado. Até porque, no fim de contas, é sempre esse o problema, é sempre essa a grande questão que a todos diz respeito: de que lado estamos, neste mundo cada vez mais extremado?