O bom cowboy de Maryland voltou aos discos e aos disparos certeiros sobre a realidade dos nossos tempos. Por isso, resolveu invertê-la, para a entendermos melhor. YTI⅃AƎЯ oferece-nos 12 bonitos temas sobre pessoas, animais, planetas e almas nuas.
Depois de ter andado durante quinze anos envolto em Smog, Bill Callahan resolveu assumir a sua música em nome próprio. Em boa hora o fez, e em melhores horas ainda foi-nos dando bastantes álbuns de qualidade excecional, como foram os casos de Sometimes I Wish We Were An Eagle (2009), Apocalypse (2011), Dream River (2013), Shepherd in a Sheepskin Vest (2019) ou Gold Record (2020). Em 2022, foi YTI⅃AƎЯ a dar às nossas costas musicais. Em primeiro lugar, o disco impressionou pelas canções e letras que contém, mantendo-se íntegro e honesto até às últimas audições. No entanto, foi perdendo um pouco da sua luz inaugural, coisa que acontece aos melhores. Bill Callahan, convém referir, nunca desceu desse patamar olímpico, e duvidamos que algum diz venha a ser capaz de nos oferecer um álbum menos bom.
Callahan é um artesão, um compositor interessado nos detalhes e um minimalista convicto. A ideia de less is more é um bom cartão de apresentação do músico. Por vezes, parece que a sua voz de barítono basta para que tudo o que faz ganhe corpo e alma. A sua arte é económica, reduzida ao essencial, ao tutano da canção. Para mais, há sempre um qualquer rastilho de inquietação (e não há arte sem inquietação, isso parece-nos claro), uma vaga luminosidade que se nota nas negras e densas atmosferas dos seus temas. Por vezes, podemos ser levados a crer, numa falsa e momentânea convicção, de que Bill Callahan anda há várias décadas a fazer o mesmo disco. Puro engano. Bill Callahan é um cronista do seu tempo, da sua América profunda e, portanto, fiel a um certo padrão composicional. No entanto, as letras que canta (ou murmura) e a instrumentação melódica vão cada vez sendo mais depuradas, mais voltadas para o avesso da alma e das emoções. Neste YTI⅃AƎЯ há pequenas quebras, pequenas diferenças de ordem criativa. Por vezes, parece um álbum muito doméstico, digamos assim, sendo certo que este é mais um trabalho saído dos tempos duros da pandemia. Logo agora, que o mundo voltou a abrir as portas para que possamos sair à rua… Sempre na contramão, o velho Bill. Ainda bem.
Bill Callahan é o Raymond Carver das canções. Histórias, são às mãos cheias, mesmo que por vezes sem princípio ou fim. Parecem apanhadas a meio de um qualquer momento, mostram-se imprecisas, baças, turvas, algo equívocas. “And we’re coming out of dreams / As we’re coming back to dreams” são os primeiros versos de Bill Callahan, e parecem os ideais para melhor se entender aquilo que dizemos. Pertencem a “First Bird”, que abre o álbum. É um bonito e elegante tema, assim como alguns outros, a saber: “Everyway”, “Coyotes” (das mais bonitas do disco, salientando-se o trabalho das guitarras e daquele piano que parece correr, lá mais para o fim da canção) e “Last One at The Party”. Por outro lado, há outros temas que não nos parecem tão conseguidos, como são os casos de “Partition” e “Natural Information”.
Bill Callahan permanece outonal, como sempre. Já nasceu assim, introspetivo, atento às angustias da alma humana e da sua em particular. YTI⅃AƎЯnão será o seu melhor álbum, mas vira mais uma página de um caminho há muito traçado, onde sombra e luz, acalmia e vibração vão andando sempre de mãos dadas. Em 2023 vamos vê-lo por cá, em palco, e aí a EDADILAER será diferente, alargada a outros álbuns, e isso irá trazer-nos, seguramente, vários momentos de encanto.