O primeiro disco a revelar o génio de Janis Joplin. A angústia de uma geração captada, por fim, em vinil.
Os Big Brother estavam no sítio certo (San Francisco) na altura certa (summer of love). Quem se lembra não esteve lá.
A vocalista era a ilustre desconhecida Janis Joplin mas a a sua mítica actuação no festival de Monterey mudou tudo, transformando-a num ícone da contracultura. O primeiro disco dos Big Brother – competente mas banal – não conseguiu reproduzir a magia. Era preciso com urgência um álbum que validasse o hype. Chegou em 1968 com Cheap Thrills.
Poucos discos captaram melhor o espírito tumultuoso dos anos 60. Tudo nele é intenso e desmedido. As guitarras acid rock são ferozes, cheias de feedback e tensão. A produção é maravilhosamente grosseira. Mas a voz selvagem de Janis é o elemento que eleva tudo para outra dimensão. Uma voz que não tem regras, não tem limites, não tem técnica: é a emoção em estado puro, extravasando como um rio.
Quando em “Piece of My Heart” Janis nos diz “toma um pedaço do meu coração” não há qualquer teatro. É mesmo o seu coração a sangrar que nos oferece. E Janis sofreu muito: incompreendida pelos seus pais conservadores, humilhada pelos seus colegas de escola, usada e descartada pelos seus amantes. “Em palco, faço amor com 25 mil pessoas; depois, regresso a casa sozinha”, desabafaria um dia. Seria prudente Janis resguardar-se, guardar uma distância de segurança que a protegesse do mundo-cão. Mas Janis não sabe fazer isso, expondo-se, desarmada. É essa a força da sua arte. É essa a sua maldição.
Quando Janis nos sussurra “Summertime” há sexo na sua voz rouca e lamacenta. Joplin estava longe de corresponder aos (sempre tacanhos) ideais de beleza. Num acto de abjecta crueldade, os colegas de faculdade haviam-na eleita “o homem mais feio do campus”, devastando a sua frágil auto-estima. Mas quem ri por último ri melhor: o patinho feio era agora um bonito cisne hippie, uma bandeira da nova mulher emancipada. E como era bonito o riso malandro e puro de Janis.
Numa decisão pouco consentânea com o espírito do tempo, foram adicionados falsos aplausos – um infeliz simulacro de um disco ao vivo. O último tema, o épico “Ball and Chain”, é a única excepção, registando com fidelidade uma actuação mágica no Fillmore East. Se o resto do álbum já prima pela sua feroz espontaneidade, o blues lancinante de “Ball and Chain” rebenta tudo. Era no palco, sem nenhuma bola e corrente a agrilhoá-la, que Janis dava o seu melhor.
Sem grandes surpresas, Cheap Thrills chega a número 1, vendendo 2 milhões de cópias. Deslumbrada pela fama, Janis abandonaria os Big Brother para abraçar uma meteórica carreira a solo (tragicamente interrompida por uma estúpida overdose). Os dois discos em nome próprio trocam o acid rock pelo R&B e são belíssimos, porventura até mais fortes a nível da qualidade das canções. Mas o documento que melhor espelha a essência de Janis – desesperada e indomável, rude e vulnerável – será sempre Cheap Thrills.