Mais uma demonstração da força vital que advém do rock, mais uma vez vinda da ilha que se quer afastar da Europa.
Não é novidade para ninguém que o rock já não é mainstream. Quer olhemos para as estatísticas de vendas de discos, quer para as visualizações/audições online em spotify ou youtube, quer para os cabeças de cartaz de festivais, o rock vive das velhas glórias e pouco mais. Tornou-se um nicho de mercado, para velhos do Restelo que insistem em resistir aos ritmos mais modernos, hip hop, electrónica e afins, que conquistam cada vez mais as audiências mais jovens. E assim vai ficando difícil para um tipo de 18 anos pegar numa guitarra, outro numa bateria e começarem uma banda. Li por estes dias “Na América, disse Jonathan”, de Gonçalo M. Tavares, e vou tomar a liberdade de aqui partilhar um pequeno excerto do mesmo:
“Diz-se, então, que esta necessidade absoluta de novidades se tornou uma necessidade biológica – deixou, portanto, de ser estética.
Há quem, agora, passeando pelas cidade moderníssimas, comece a sufocar – psicológica e também fisicamente – quando nada acontece de novo.
Há já relatos de pessoas aparentemente saudáveis que subitamente começam a perde a cor, como se lhes faltasse algo e estivessem a desfalecer. E, sim, já se vê isso nos passeios: há quem corra para os outros, sôfrego, quase desesperado, pedindo ajuda:
– Uma novidade, rápido!”
A necessidade de novidade constante poderá estar a contaminar o futuro e há que saber dosear a mesma, mantendo um bom equilíbrio entre novo e velho. Ou então isto é só mesmo a PDI a falar…
Há então, na perspectiva deste que vos escreve, que procurar melhor, fazer uma melhor triagem do ruído sonoro que nos é atirado, para se chegar a bandas que vão mantendo o rock vivo e que merecem ser ouvidas. É o caso destes Fontaines D.C., que acabam de lançar Dogrel, seu álbum de estreia, que é, no fundo, uma carta de amor à sua cidade de Dublin (o D.C. no nome é de Dublin City e não de outro qualquer D.C. porventura mais conhecido) em forma de disco. Grian Chatten, Conor Deegan III, Carlos O’Connell, Conor Curley e Tom Coll são os constituintes da banda (vou aqui adicionar mais alguma informação até porque são tão recentes que ainda nem a wikipedia os conhece), conheceram-se na escola de música em Dublin, apesar da sua grande paixão ser a poesia. Em entrevistas dadas e nas letras das canções encontram-se várias referências a Joyce e Yates, tal como a Kerouac e Lorca, e menções a frequentarem em doses iguais pubs e encontros de poetas amadores. Dublin é, por estes dias, uma cidade dividida entre a sua herança romântica e o futuro ao virar da esquina feito de start-ups e unicórnios, e os Fontaines quiseram mostrar de uma forma clara de que lado estão. Fizeram-no também recorrendo a uma herança sonora que junta num só pote os Pogues e os Fall, os Joy Division e uns Strokes, dando um embelezamento intenso e puro à coisa.
“Liberty Belle” foi o primeiro single, já lançado há pouco mais de um ano, puro garage rock que teria conquistado à primeira audição se estivéssemos em 2002. Seguiu-se “Hurricane Laughter”, bem mais áspero, onde Chatten, no seu sotaque irlandês carregadíssimo nos diz, com persistência, que “There is no connection available”. “Boys in the Better Land” é música que tem passado na única rádio que interessa, e poderá por isso ter o efeito “já ouvi isto em qualquer lado”, ao passo que “Sha Sha Sha” tem um ritmo magnético. Poderia ficar por aqui e passar à conclusão, mas ainda há mais e seria injusto se não destacasse também a paranóica e intensa “Too Real” e as baladas “Roy’s Tune” e “Dublin City Sky”, deliciosas e arrebatadoras.
O ano passado deram à costa os Shame e os IDLES, este ano temos (para já) os Fontaines D.C.. O Brexit está encalhado mas o que de bom se faz nas terras de Sua Majestade continua a expandir-se. E isso é o que interessa nesse debate que já tem barbas.
E a modos que é isto, não tenho mais palavras, caso ainda não o tenham feito passem à audição de Dogrel, boa demontração de que o rock que salva vidas continua a fazê-lo. Em menor quantidade, é certo, mas com a mesma intensidade que premeia quem procura a salvação por esta via.