Os Belle and Sebastian estão mudados. Já não são os mesmos. Nem poderiam ser, uma vez que o tempo passa, e nessa passagem tudo se altera, e por vezes até nós próprios temos alguma dificuldade em reconhecer o que fomos anteriormente. Assim, se é natural e humana a mudança, também é natural que tenhamos opiniões valorativas em relação ao antes e ao agora, no que diz respeito ao som de uma qualquer banda. Eu, naturalmente, tenho a minha, e por isso vou dar-me ao trabalhoso prazer de escrever este pequeno texto sobre o último disco dos escoceses Belle and Sebastian, de quem tanto gostei. Na verdade, ainda gosto muito, mas já não é bem a mesma coisa. Ou seja, a mudança que a banda operou neste Girls In Peacetime Want To Dance foi, de alguma forma, substantiva, e o paradigma musical de discos como Tigermilk, If You’re Feeling Sinister, The Boy With The Arab Strap ou o mais recente The Life Pursuit está, atualmente, um pouco alterado. Isso, em si mesmo, é coisa de louvar, mas a verdade é que considero que a banda não ganhou muito com a alteração efetuada.
A aposta num primeiro tema de avanço deste longa duração (a canção «The Party Line») com características bem dançantes, quase a roçar o ambiente disco-sound, não terá sido nada inocente. Mais ritmo e menos intimismo parecem ser a base da receita preferencial do presente momento de Stuart Murdoch e amigos. Ora é exatamente aí que o meu lamento entra. Nada tenho contra o ritmo dançante capaz de contagiar o mais empedernido corpo numa qualquer pista de dança. Nada mesmo. Mas os Belle and Sebastian sempre foram grandes (aos meus ouvidos), sobretudo pela inocência plácida das suas composições mais íntimas, mais melancólicas, mais cheias de alma em estado de pura comoção. Os casos das antigas e deliciosas «We Rule The School», «Fox In The Snow» ou «Mornington Crescent», são bons exemplos do que digo. Os Belle and Sebastian sempre foram grandes (aos meus ouvidos), sobretudo (e também) pelo seu som inovador, sem grandes precedentes, apostando num rock inteligente, arejado e certeiro nas palavras e nos embalos sonoros que nos ofereciam. Basta lembrar canções como «The State I Am In», «Like Dylan In The Movies», «Get Me Away From Here», «Judy And The Dream Of Horses», «Another Sunny Day» ou mesmo «I Didn’t See It Coming». Por tudo isto, que não é pouco, não sei muito bem como entender as recentes «The Party Line» ou «Enter Sylvia Plath», sendo que esta última mais parece feita para animar uma qualquer feira popular. Para mim, e mantendo o respeito que tenho por eles, prescindo perfeitamente destes novos caminhos sonoros, que de tão festivos (um pouco à maneira de um Festival da Canção em versão ligeiramente melhorada) me parecem plásticos, artificiais, no que as expressões podem ter de pior significação. No entanto, o disco salva-se de maiores desastres com as canções «Nobody’s Empire» (ao estilo da era Jeepster), «The Cat With The Cream», «Ever Had A Little Faith?» ou «The Everlasting Muse», embora está última esteja já um pouco aquém da beleza das anteriores.
Sendo assim, e feito um balanço geral às doze canções deste novo Girls In Peacetime Want To Dance, parece-me seguro afirmar que este trabalho de 2015 não traz qualquer acréscimo ao bom estatuto de culto que a banda soube construir. Nem mesmo sei se devo entender este disco como um exercício corajoso de inovação, se de risco calculado e episódico. O futuro dirá algo mais sobre este assunto. A minha esperança, no entanto, é que o próximo passo em frente seja, inequivocamente, um retrocesso, um passo atrás. Mas isso é apenas uma vontade minha, uma vontade particular de um ouvinte antigo e atento, que no entanto reconhece que a Arte deve ser entregue aos artistas, e aos ouvintes aquilo que os artistas quiserem. Sempre foi assim, e sempre assim será, mesmo com mudanças menos conseguidas pelo meio.