A palavra final do mais idiossincrático rapper português
O final de 2019 foi preenchido para Allen Halloween: é editado um livro com as suas letras – validando um certo impacto “literário” das suas vinhetas urbanas – e sai finalmente o seu há muito prometido álbum acústico, este Unplugueto. E, pouco tempo depois deste momento alto, o anúncio: Allen Halloween deixa a música para trás, por considerá-la incompatível com a sua busca religiosa e espiritual.
Desta forma, cabe a Unplugueto a difícil tarefa de fechar uma carreira discográfica de quatro álbuns, que afirmaram Halloween como a voz mais única e idiossincrática do hip-hop nacional. Teremos melhores MC, eventualmente, melhores produtores e beatmakers, também, até letristas mais sofisticados, certamente. Aquilo em que ninguém supera Halloween é na Verdade. As suas histórias de noite, de sofrimento, de luta, de pecado e busca pelo perdão, são pedaços de um país entregues com uma honestidade e até uma brutalidade que nenhum noticiário nos pode dar.
Deixa-nos, enquanto álbuns, Projecto Mary Witch (2016), A Árvore Kriminal (2011) e Híbrido (2015), mais este Unplugueto. Com um nível tão alto em todos estes trabalhos, é até simbólico que termine com este disco. O registo “acústico”, mais despido, coloca no centro a voz e as palavras, aquilo que, no fundo, faz a diferença e sempre foi o mais importante. O que se perde é a dureza dos beats, aquele instrumental urbano mais agressivo que tão bem sabe fazer. É um final de carreira mais calmo, mais pacífico e até belo, de uma carreira feita de rudeza e realidade muitas vezes feia e dura.
Unplugueto foi gravado em formato live e dá-nos um misto de temas conhecidos e outros menos, havendo ainda lugar a um cover (a roçar o desastroso, diga-se) de “O Primeiro Dia”, do mestre Ségio Godinho. Uma pequena mancha que não chega para estragar mais um disco de qualidade elevadíssima.
Se, de facto, Allen Halloween não voltar a gravar, esta é a sua despedida, o último capítulo de uma obra fundamental no Portugal urbano dos tempos modernos. A sua voz fará muita falta.