Este disco já anda em vários meses em rotação e, no meio da enxurrada de música que nos vai assaltando, no bom sentido, todos os dias, este foi ficando. E isso é a marca de um bom disco, um disco que resiste a todas as alterações de playlist, a todas as reciclagens do ipod, a todas as vezes que mudamos a caixinha dos cds que levamos para o carro.
Este podia ser um disco dos portugueses Hipnótica. Afinal, é esta a banda que, no final de uma tour, decidiu passar uns dias no campo e experimentar algo completamente diferente da electrónica inteligente que tem feito o seu percurso já de muitos anos. Uns dias no campo, um estúdio móvel, instrumentos acústicos, uma intimidade feita de “folk outonal”, nas palavras do vocalista e líder da banda João Branco Kyron. Aos titulares juntaram-se vários reforços pontuais, nomeadamente nas muito eficazes e bonitas vozes femininas, que ajudam a dar leveza a muitos dos temas.
Dessa primeira sessão saíram algumas canções, que acabaram por ser editadas pela editora especializada inglesa Fruits de Mer. E que, tanto gostou, que pediu mais. Avançaram assim para o Long Play (no delicioso termo antigo), e o resultado é este disco. Não em nome dos Hipnótica, mas sim homónimo, dos Beautify Junkyards (BJ). E isso justifica-se. Não apenas porque o som é diferente da banda que lhe deu origem, mas também porque criou uma identidade sonora bem marcada, e que merece ser acarinhada, por si.
O resultado do disco são 9 músicas, que parecem mais, tal a imersão que nos provocam. Nove versões, ou covers, entre temas conhecidos e outros mais obscuros, respeitando apenas o gosto da banda, como deve ser. Temos Donovan, temos Vashti Bunyan, temos o “panteónico” Nick Drake, temos Mutantes. Temos muita coisa boa. E temos, para mim o joker, o “Radioactivity”, dos imensos Kraftwerk. É o único tema cuja raiz não é a folk em qualquer uma das suas vertentes. No entanto, e isso é a grande e fantástica surpresa, isso não se nota. Porque, tal como em todos os outros temas, os BJ agarram na canção e fazem-na sua.
Tudo é coberto de um doce e vagamente narcótico manto de folk. Acústico, pastoral, íntimo, pessoal, com muitos pequenos pormenores sonoros que não enchem por encher, mas salientam este ou outro aspecto.
Saído há vários meses, o disco tem sido alvo de louvor um pouco por toda a Europa, nomeadamente pela editora Ninja Tune, pela BBC e pela revista Classic Rock. E isto é merecido.É um daqueles trabalhos que, se fosse do Canadá, de Brooklyn ou de qualquer zona cool, chegaria para fazer uma carreira. Mas são tugas. E são bons.
Não sei o que será dos Hipnótica, que andam há muitos anos a partir pedra sem grandes resultados para além de um reduzido culto. Talvez o plano cósmico seja este, que uma banda se transforme noutra. O que eu sei é que quando sair outro disco dos Beautify Junkyards, estarei ansioso por ouvi-lo.
Só há um perigo: que os BJ possam cair na armadilha dos Nouvelle Vague, mas desta vez com a sua folk, em vez da bossa nova. Se as coisas forem tratadas com tempo, com cuidado e com carinho, podemos estar perante o nascimento de uma banda verdadeiramente especial. Para já, fizeram um primeiro disco que o é.