Sou dado a enjoos sazonais. Acontece duas a três vezes por ano, e em cada um desses períodos de tempo acabo por passar dez a quinze dias numa espécie de purga sonora, que tão bem me faz. Habituado há anos e anos a ouvir música todos os dias e em doses elevadas, por vezes sinto chegado o momento de me depurar, e para isso o remédio não pode nunca ser outro que não este: mais música! Ou melhor, JAZZ! É assim desde outubro de 1988, altura em que comprei os meus primeiros discos desse variadíssimo estilo musical. Se na verdade a paixão foi sendo crescente, também é um facto que nunca foi avassaladora ao ponto de deixar de ouvir qualquer outro tipo de música, exceção feita aos mencionados períodos em que nada mais ouço a não ser jazz. Os meados de Outono são momentos propícios ao meu abandono por esses meandros sonoros, assim como os meses de Primavera. A meio tempo entre essas estações, nos dias mais frios de inverno (muitas vezes durante o período natalício) tendo a deixar-me envolver por essa música tão diferente e diversa em si mesma. É quase sempre assim, e ainda bem.
De facto, durante quase três décadas, fui ouvindo e colecionando um já interessante conjunto de discos desse estilo musical, pelo que posso afirmar, embora sem totais certezas de expert (que não sou), quais são os meus discos de jazz favoritos. Foi exatamente isso que me propus aqui dar nota, sendo que, para o efeito, impus a mim mesmo uma única condição, a de não repetir discos de um mesmo artista, para que o leque final acabasse por ser mais diversificado. A meio da redação do artigo (que não foi nada fácil de escrever, sobretudo pelo dificílimo processo de escolha a que me sujeitei até chegar ao resultado final), achei interessante colocar uma nota de rodapé em cada um dos textos sobre cada disco escolhido, dando conta do “grau de exigência auditiva” que cada um deles oferece ao ouvinte comum. Talvez isso sirva como orientação a todos aqueles que quiserem experimentar o caminho que aqui vos proponho. Talvez… Uma última e breve nota para ressalvar que a ordem de entrada dos onze discos eleitos é cronológica, e apenas isso. Gosto demasiadamente de todos eles para ter de arranjar um qualquer outro critério de apresentação.
1) Jimmy Smith – The Sermon! (1958) – If you like to swing and to get loose, you’re in for a treat com este The Sermon! É absolutamente admirável a forma como o órgão de Jimmy Smith se faz ouvir aqui, bem como em muitos dos seus discos dos anos 50, 60 e seguintes. Foi um revolucionário, combinando ritmo e génio em doses iguais e superlativas. A sua técnica é estonteante, e a sua arte imprevisível. A contribuição de Lee Morgan (tragicamente desaparecido aos trinta e poucos anos num clube de jazz, após um tiro certeiro no coração, disparado pela sua namorada) é também de altíssimo nível, revelando claramente uma estrela em ascensão, bem como o contributo de Tina Brooks, que deve igualmente ser tido em conta neste The Sermon! O disco é composto por apenas três temas, o longo e intenso “The Sermon”, o esfuziante “J.O.S.” e o sublime “Flamingo” já em tom de fim de festa, com os inimitáveis solos do grande Kenny Burrell a surgirem perfeitos e direitos aos corações mais sensíveis aos bons tratos sonoros. Que coisa mais linda! Há, no entanto, uma edição maior e completa dessas sessões de gravação (Jimmy Smith: The Complete Sermon Sessions, Groove Hut Records, 2009) que vale cada segundo dos seus mais de 145 minutos, mas que não é tida em conta nesta resenha do álbum. É ouvir para crer! The Sermon! foi um dos primeiros discos que ouvi de Jimmy Smith, e será seguramente o último a ser esquecido por mim. # Grau de Exigência Auditiva: Médio
2) Miles Davis – Kind of Blue (1959) – Pois, parece que é inevitável. Por mais voltas que se dê, por mais caminhos que tentemos trilhar, vamos sempre dar a Kind of Blue. A razão é simples, e todos a conhecemos bem. Kind of Blue é um disco definidor de uma era, e a partir dele o mundo do jazz nunca mais foi o mesmo. “So What” abre o álbum de uma maneira tão delicada e prazerosa, que se nele existissem apenas 5 ou 6 takes alternativos desse mesmo tema, ninguém se importaria, mesmo sabendo que do alinhamento original ainda fazem parte “Freddie Freeloader”, “Blue In Green”, “All Blues” e “Flamengo Sketches”. Muita qualidade junta, muito talento de gente como Cannonball Adderley, John Coltrane, Wynton Kelly, Bill Evans (sim, há quem não se lembre disso, mas o grande Evans toca neste disco), Paul Chambers e Jimmy Cobb. A improvisação de todos eles é impressionante, embora o génio de Miles Davis se faça notar mais do que tudo e todos à sua volta. Todas as composições são suas, aliás. Terrivelmente eficazes, singularmente simples, traços de sons enormes e tão bem resolvidos como há memoria de poucos outros no mundo da música. Confesso que, numa primeira escolha para este artigo, tentei deixar Kind of Blue de fora, uma vez que é um clássico acima de todos os outros clássicos, e por isso poderia escolher outro em seu lugar. Mas não consegui… Estive a um passo de escolher Nefertiti ou In a Silent Way, discos que adoro e que venero. No entanto, por uma questão de seriedade para comigo e para com quem me lê, a opção não poderia ser outra que não esta. Estou plenamente convencido que nunca me perdoaria a mim mesmo se não escolhesse este monumento sonoro que dá pelo conhecidíssimo nome de Kind of Blue. # Grau de Exigência Auditiva: Baixo / Médio
3) Bill Evans – Sunday at the Village Vanguard (1961) – Este é, para muitos, o melhor disco de jazz ao vivo de sempre. Mesmo entendendo que este tipo de afirmações são sempre exageradas e polémicas, alinho na ideia, embora não me pareça nada impossível incluir mais uma meia dúzia de álbuns nesse lote. Mas Bill Evans teria de constar desta lista, pelo que a sua inclusão (a do músico) teria de resultar na escolha deste trabalho. Assim, o dia de 25 de junho de 1961 (data da gravação do álbum) fica marcado por este extraordinário feito, e a cidade de Nova Iorque bem poderia fazer dele feriado, ou coisa que o valha. Sunday at the Village Vanguard é um disco perfeito. Pode e deve ser ouvido em qualquer ocasião, uma vez que resulta sempre. Até nem me importaria de o ouvir como música de elevador no mais alto dos arranha-céus, por exemplo. Subiria até ao último andar com um sorriso nos lábios e com a alma tranquila. Os músicos que acompanharam o grande Bill Evans, um dos seres mais atormentados da história do jazz e tantas vezes carrasco de sim mesmo, são de exceção, como não poderia deixar de ser. Repare-se, então, no power trio: Evans no piano, Scott LaFaro no contrabaixo e Paul Motian na bateria. Um luxo, autêntico team de champions league. Estão, ainda por cima, tão entrosados que parecem respirar em uníssono. Ouvir “Gloria’s Step” (take2), “My Man’s Gone Now”, “Solar” ou “All of You” (take 2) deveria fazer parte da rotina diária de qualquer melómano. Este disco é o lugar ideal para começar a ouvir Bill Evans, e mesmo que não se conseguisse ouvir mais nenhum dos seus muitos e extraordinários álbuns, nenhum mal viria ao mundo. # Grau de Exigência Auditiva: Baixo
4) Eric Dolphy – Out To Lunch! (1964) – Ora aqui está o caso de um disco que dá bastante trabalho ouvir, pelo menos na primeira meia dúzia de audições. Aconteceu comigo, ao mesmo tempo que me fui apercebendo que havia nele algo que me fazia regressar à sua presença. E foi o que fiz, vezes sem conta, até ao ponto de se transformar em puro prazer! Adoro todo o disco, mas especialmente os primeiros instantes de “Hat and Beard”, que teria dado um excelente genérico de uma qualquer série televisiva norte americana dos anos 60. Ao lado de Dolphy está o espantoso Freddie Hubbard, decisivo no som final do disco. Sempre que ouço Out To Lunch! penso no que poderia ter sido a carreira de Dolphy se acaso a seu desaparecimento não tivesse ocorrido tão prematuramente. O extraordinário sentido de improvisação fez dele um nome importante do jazz mais vanguardista. Ouvir este seu disco póstumo (na verdade, o LP foi lançado pouco depois da morte do artista, embora o texto de acompanhamento do disco não fizesse qualquer menção a esse facto) é ainda um verdadeiro desafio, embora de momento, devido ao conhecimento que tenho dele, esse desafio já se apresente a um outro nível. O que me dá gozo agora é encontrar sons precisos e divagações sonoras mais vaporosas que me tenham escapado nas inúmeras audições anteriores, o que, por incrível que pareça, sempre acontece. É um trabalho cheio, repleto de pormenores mais ou menos dissonantes, com temas fantásticos como o já referido “Hat And Beard”, ou ainda “Something Sweet, Something Tender” e “Out To Lunch”. Todas as composições de Out To Lunch! são de autoria de Eric Dolphy, o que é também digno de registo. Que grande momento de forma! No entanto, fica o conselho: quem quiser começar a ouvir jazz deve aguardar alguns anos antes de o meter a tocar. # Grau de Exigência Auditiva: Superior
5) Thelonious Monk – Underground (1968) – Aqui está mais uma escolha certamente pouco consensual. Em vez dos mais considerados Brilliant Corners, Monk’s Dream ou Solo Monk, por exemplo, Underground ganhou a corrida by far. A razão prende-se com o facto de ter sido um dos primeiros discos de jazz que comprei, e o primeiro do músico de Weehaken, Nova Jérsia. Quando ouvi, nos idos anos 80, Gal Costa cantar os versos de “Vaca Profana” (composição de Caetano Veloso, em que Thelonious Monk é mencionado) fiquei perplexo, sem saber o que queria isso Esse vergonhoso desconhecimento, no entanto, durou pouco tempo. Dias depois, numa ida a Lisboa, encontrei num escaparate alguns discos de jazz, entre os quais estava Underground, de Thelonious Monk. Nem hesitei. Trouxe-o para casa, e a empatia foi imediata e duradoura. Para além do mais, a capa é das melhores que conheço, facto que ainda me aproximou mais do disco. Merece estudo atento, aviso já. Observem-na bem, que não se arrependerão. É um autêntico museu. No seu interior, felizmente, muitos outros motivos de intenso regozijo podemos encontrar, como sejam “Thelonious”, “Ugly Beauty”, “Boo Boo’s Birthday” e “Green Chimneys”. A par do piano de Monk, o quarteto conta ainda com o grande Charlie Rouse (saxofone), Larry Gales (contrabaixo) e Ben Riley (bateria). Ainda hoje é o disco de Thelonious Monk que mais vezes me passa pelos ouvidos, prova de que resistiu bem ao tempo que comigo tem passado, sobretudo tendo em conta que o comprei em 1988. # Grau de Exigência Auditiva: Médio
6) Pharoah Sanders – Karma (1969) – Chamem-lhe o que quiserem: “energy music”, “spiritual jazz”, “free jazz” ou qualquer outra expressão já inventada ou por inventar. Karma está para além de qualquer rótulo. É um ovni sonoro, uma meditação feita de sons, palavras esparsas e sabedoria. Sim, sabedoria. Conhecimento. Musical e da mente humana. Ouvir Karma deixa sempre em mim a doce sensação de ir à missa sem ter de meter os pés em qualquer recinto religioso. Fico bem servido assim, acreditem. Este disco enche-me de fé, ou de qualquer outra coisa que não sei nomear, de tão indizível. É um sermão que desejo ouvir repetidas vezes, apesar de o conhecer tão bem. “The creator has a working plan, / Peace and happiness for every man / The creator has a master plan, / Peace and happiness for every man / The creator makes but one demand, / Happiness thru all the land”, e somos levados nisto, acreditando na força da música e das palavras cantadas. É esta a magia de Karma. Alguns elementos da música africana ou da música indiana são aqui acolhidos e tratados de forma muito particular. Instrumentos exóticos, improvisações belíssimas, tranquilidade de espírito, mas também exaltação evidente e ruidosa fazem do primeiro tema – “The Creator Has a Master Plan” – uma autêntica obra de arte. Diz-se, e eu acredito piamente, que algumas substâncias alucinógenas estiveram presentes aquando do momento da conceção e gravação do disco. Se assim aconteceu, ainda bem. O resultado final é mesmo o de uma longa viagem por um espaço e por um tempo sem tempo nem espaço reconhecíveis, e esse é um facto que sempre me encantou. Karma deveria ser um medicamento de venda livre, mas não é. É apenas um disco, embora não pareça ser apenas isso. # Grau de Exigência Auditiva: Médio / Superior
7) Stanley Turrentine – Sugar (1970) – Este é um disco cheio de groove! Tudo aqui é charme, estilo, vitalidade e talento. Se o saxofone de Turrentine marca a diferença pelos fraseados arrastados, vigorosos e enérgicos, o que dizer, por exemplo, da guitarra de George Benson, maravilhosamente swingante? Ou das teclas orgânicas e elétricas de Butch Cornell e Lonnie L. Smith Jr? Como se não bastasse, juntam-se à festa Ron Carter (baixo) e os sopros de Freddie Hubbard, tocador incansável em tantos e tantos discos de jazz. Originalmente gravado com apenas três composições (“Sugar”, de Stanley Turrentine, “Sunshine Alley”, de Butch Cornell e “Impressions”, de Coltrane), este disco de início da década de 70 é um clássico absoluto, pelo menos para mim, e para a minha particular maneira de ouvir e de me deliciar com o jazz. O seu som funky groove é perfeitamente irresistível, e Sugar tem ainda a vantagem de bem dispor qualquer ouvinte de mente aberta. Faz-me bem, deixa-me satisfeito com a vida, o que não é coisa pouca. Lançado pela CTI Records, Sugar tem mais um outro grande motivo de interesse: a sua capa. Para muitos, ela é de uma sexualidade evidente, mas enganam-se os que assim pensam. A explicação justifica-se, e é simples. Pete Turner, responsável por várias capas de discos da CTI, havia feito, 10 anos antes, uma série de fotos para a revista Look intitulada Black Is Beautiful. Uma dessas fotos serviu como capa de Sugar, e mais não retrata do que uma mãe a lamber a ponta do pé do seu pequeno bebé. Nada de sexual, como se vê. Lindíssima! # Grau de Exigência Auditiva: Médio
8) Herbie Hancock – Head Hunters (1973) – Os mais tradicionalistas não gostaram nada do namoro que o jazz foi tendo com o funk, lá para os anos 70 e ainda na década seguinte. Mais: não compreenderam muito bem como é que um músico do gabarito de Herbie Hancock foi mesmo um dos principais impulsionadores dessa aproximação de estilos. E se, na verdade, o pianista esticou a corda até ao máximo em trabalhos posteriores (Feets Don’t Fail Me Down, Future Shock, Sound-System e Perfect Machine, por exemplo) Head Hunters representou a virada na carreira de Herbie Hancock que ele tanto precisava. Conferiu-lhe uma voz ainda mais própria, autêntica mas inesperada, de facto. Mais de 20 anos após a sua saída, a frescura da linguagem musical deste marco da história do jazz é tão notória e intensa, que podemos referir-nos a ele como um trabalho moderno e atual. Até a produção é imaculada. Como resistir ao instinto dançante que dispara para todos os lados em “Chameleon”? Ou como ficar indiferente à segunda vida de “Watermelon Man” e à sua icónica introdução quase tribal? Bastava este começo (os dois temas perfazem a totalidade do lado A do disco, nos seus pouco mais de 22 minutos de duração) para que este Head Hunters se tornasse eterno. Depois, no lado B, há muita e boa festa! Um cocktail terrificamente dançante e cheio de estilo que tem como ingredientes “Sly” e “Vein Melter”, esta última bem mais sensual e cosy do que a anterior. Sempre gostei muito de Herbie Hancock, e por isso, no que toca à escolha dos trabalhos que mais aprecio, mon couer balance toujour. No entanto, Head Hunters é realmente um clássico, pelo que a sugestão da sua audição teria mesmo de ser feita. # Grau de Exigência Auditiva: Médio
9) Jim Hall – Concierto (1975) – Queria muito incluir nesta lista um álbum de guitar jazz, o que me causou (mais) um sério problema. Como escolher entre Grant Green, Kenny Burrell ou Jim Hall, entre tantos outros? Difícil, muito difícil, mas acabou por ser um disco do último dos três mencionados a figurar neste texto. Talvez tenha sido, porventura, a escolha menos lógica. Mas pouco importa, uma vez que Concierto é uma das minhas mais recentes descobertas (foi só há dois anos que ouvi este álbum pela primeira vez), e quis fazer uso dessa proximidade cronológica para o destacar. O sexteto que aqui ouvimos serve também para me sentir menos mal devido ao facto de não incluir nestas minhas escolhas um disco de Chet Baker, artista de que tanto gosto. A sua trompete faz-se ouvir nas quatro faixas do disco, bem como o sopro de Paul Desmond, o mais melodioso de todos os saxofonistas alguma vez nascidos. O piano de Roland Hanna é outra das maravilhas de Concierto, bem como Ron Carter (baixo) e Steve Gadd (bateria). Se o disco é todo ele superlativo, o que de facto é a mais pura das verdades, o que dizer do momento que o encerra? Acima de qualquer adjetivação, e durante dezanove minutos e vinte e dois segundos, “Concierto de Aranjuez” arrasa qualquer coração! É tão tocante, tão marcante, tão divino, que pode levar-nos às lágrimas. Gosto de o ouvir na escuridão da noite, entre as quatro paredes da sala, sozinho e bem acompanhado por todos os músicos que ali estão a tocar para mim, mas que na verdade não estão, mas estarão sempre e para todo o sempre que durar a magia desse momento. # Grau de Exigência Auditiva: Baixo
10) Wayne Shorter – Native Dancer (1975) – A minha enorme afeição à MPB foi a razão deste Native Dancer ter entrado na minha vida, e nela permanecido até hoje. Adorador confesso de Milton Nascimento, travei conhecimento com este disco e com Wayne Shorter em meados dos anos 80. A combinação perfeita entre música popular brasileira e jazz tem aqui, para mim, a definitiva obra. Parece um disco de Milton, mas ao mesmo tempo é um disco de Wayne Shorter. E se pensarmos que a esta dupla se juntou ainda o piano e a mestria de Herbie Hancock, então o que dizer de tudo isto? Os louvores são muitos, pois claro, e inesgotáveis. Cinco das nove composições são do brasileiro, três do saxofonista, e uma apenas de Hancock, a delicada “Joanna’s Theme”, que encerra o disco. Native Dancer foi muito bem recebido pela critica da altura, tendo a insuspeita revista Downbeat carimbado a sua opinião sobre a obra com 5 definitivas estrelas, o que para início de conversa é coisa bem esclarecedora. O mundo do jazz estranhou, embora de forma agradecida, este encosto à MPB, mas quem seguia atentamente a obra de Wayne Shorter não terá ficado assim tão espantado com a aproximação aos exóticos sons sul americanos, uma vez que em Adam’s Apple e sobretudo em Super Nova já se notava o apreço de Shorter pela música que se fazia no Brasil. O mais surpreendente terá mesmo sido a aparição mais do que central do próprio Milton Nascimento, não só como compositor, mas também com o empréstimo da sua voz, que por vezes se confunde (nos falsetos) com o som do saxofone de Wayne Shorter. É tudo tão bonito, como emocionante. Um triunfo sem tempo e para sempre! # Grau de Exigência Auditiva: Baixo / Médio
11) The Dave Brubeck Quartet – The Dave Brubeck Quartet Plays Music From West Side Story And… (1986) – É quase um sacrilégio (aliás, é mesmo um sacrilégio) deixar de lado um disco como Time Out, mas tenho razões para o fazer. Desde logo vos digo que Time Out é um dos melhores discos de jazz que conheço. Na sua integridade, e na importância histórica que lhe é intrínseca, não tenho qualquer dúvida em considerá-lo muito superior à escolha que aqui apresento. No entanto, este West Side Story é (apenas) o disco de jazz que mais vezes ouvi em toda a minha vida, e o que há mais tempo ouço também. Foi a primeira porta de entrada que conheci e foi por ela que entrei no mundo do piano e do saxofone. Como se esse sentimento virginal não fosse prazeroso o suficiente para o ter escolhido, o disco começa de rajada com “Maria”, “I Feel Pretty”, “Somewhere” e “Quiet Girl”, que deixam qualquer ouvinte knockout. “Maria”, por exemplo, tem aqui, verdadeiramente, uma versão do outro mundo! O alto saxofone de Paul Desmond é de uma genialidade absoluta, e vive há anos na minha cabeça e no meu assobio. Todo o disco se revela um assombro, e por isso causa-me alguma estranheza o facto de ser tão pouco considerado pelos fãs de Brubeck. Se tivesse de escolher, por qualquer terrível circunstância, um só disco de jazz para ouvir quando assim o entendesse até ao fim da minha vida, seria este, mesmo tratando-se de uma compilação. Sem margem para dúvidas. # Grau de Exigência Auditiva: Baixo
Uma vez chegados ao fim deste já longo percurso, não poderei terminar sem uma ou outra últimas palavras. Esta seleção não é mais do que isso mesmo: uma seleção naturalmente subjetiva e que agradará a muito poucos na sua totalidade, mas que corresponde inteiramente à minha verdade do momento. Todos estes onze discos são-me muito queridos, e dificilmente deixarão de o ser. Mas, para que aqui estivessem alinhados, muitos outros ficaram para trás, de forma injusta. Não há registo, como se viu, de um disco de John Coltrane, por exemplo. Nem de Charles Mingus, nem de Oscar Peterson, de Donald Byrd, de Grant Green, de Chet Baker, de Kenny Burrell, nem de muitos outros que poderia agora continuar a mencionar. Talvez devesse ter vergonha da proposta que aqui vos deixo, não tanto pelo conteúdo apresentado, antes e mais pelo que deixei de fora. É quase criminoso, eu sei. Que a (vossa) condenação me seja leve! E, já agora, se a condenação se efetuar, que seja ao som de muitos discos que aqui não referi, para meu eterno e bom castigo.
* a frase que serve de título a este texto terá sido dita por Louis Armstrong, e deve ser entendida como homenagem a esse grande músico, que embora esteja ausente nesta escolha, nunca poderia ser esquecido.
Sim, Tiago. Claro que sim. Tenho vários discos dele, até. Adoro, por exemplo, o Willow Weep For Me. Grande guitarrista! Mas teriam de ser só 11…
Muito bom! E um wes montgomeryzinho,não….?
Obrigado, Diogo Barreto. Essa segunda parte poderia caber a outro de nós. Ao Filipe Garcia, por exemplo. O jazz faz parte dos seus gostos musicais, e para mais é bom conhecedor do assunto.
Óptima ideia para o texto e excelente escolha!
Merece uma parte 2, pelo menos.