
Estamos em contagem decrescente para o Magafest e continuamos a publicar por aqui conversas com os protagonistas. Hoje falamos com o tipo que vai fechar essa noite de 5 de Setembro, na Casa Independente. O nome civil é Óscar Silva mas conhecemo-lo por Jibóia e, com esta conversa, fomos ao Médio Oriente, jogámos Prince of Persia e ficámos a saber que vem aí novo disco.
Comecemos pelo princípio. Antes de seres Jibóia já fazias música. Como foi o teu percurso?
Eu toco desde os 15 ou 16 anos, mas sempre toquei em bandas, cenas rock, algumas mais pesadas, meio hardcore. Sempre toquei guitarra nessas bandas e foi aí que dei os primeiros concertos, fiz as primeiras tours, sempre nessa vertente. Jibóia foi um bocado… numa altura, há uns 3 anos, em que muita gente das bandas em que eu tocava foi para fora, estudar ou trabalhar, e como fiquei com as pessoas um bocado mais longe, eu já tinha a ideia de fazer qualquer coisa a solo, e foi mais ou menos aí que apareceu, e também para romper um bocado com a cena rock e a guitarra. Não é que não me tivesse a dar prazer mas quando pegas na guitarra vais sempre ter àqueles acordes que já fizeste uma data de vezes e Jibóia foi tentar mesmo, principalmente em termos musicais, ir buscar umas referências que não tinha na altura em que fazia mais rock ou hardcore. Tanto outras referências como outros sítios para tocar na guitarra, com outro mindset. Eu a certa altura percebi que não consigo estar sem fazer nada, em termos criativos, e teve que sair qualquer coisa, mas tive sempre a ideia de fazer uma coisa diferente, não ia fazer outra banda rock.
Jibóia tem muita inspiração Oriental. Já estiveste nesta parte do mundo fisicamente, ou só em espírito?
Só em espírito. Nunca fui fora da Europa, conheço bem a Europa mas nunca estive no Médio Oriente. Mas sim, se calhar a influência mais forte é o Médio Oriente talvez por causa das escalas, mas tanto vou picar aí como um bocado ao Brasil ou África – sítios onde também nunca estive. Mas fez parte dessa altura em que eu estava a tentar rodar um bocado a coisa, que comecei a ouvir coisas mais fora do rock anglo-saxónico habitual e acho que o Médio Oriente vem muito por causa das escalas, estava a tentar mudar de sítio onde tocar na guitarra. E foi calhar ali também porque as primeiras influências foram daí, tipo a primeira vez que ouvi o [Omar] Souleyman e essas coisas todas que eu achei meio estoiro, tipo “o que é isto?”. Mas sim, não teve a ver com uma experiência física, foi mais como uma procura e se calhar encalhei ali. Mas às vezes penso que um dia quando for lá, vou ver tanta coisa boa e pura, musicalmente, que acho que depois não consigo fazer mais nada [risos].
E no Badlav a Ana Miró (Sequin) canta as músicas em que língua?
Ela canta umas coisas em hindu, outras são meio inventadas. Nós nunca falámos muito disso, não tem que ser esta ou aquela língua. Para ela também foi um bocado descobrir outra cena – se bem que ela canta uma data de coisas diferentes, já cantou desde coisas de igreja a coisas completamente pop, tem um espectro mesmo muito alargado. Mas ainda assim, aquela cena hindu e aquelas vozes era uma coisa que também lhe interessava explorar, poder explorar à vontade, e a ideia também era essa. Então nunca pensámos que teria de ser hindu ou esta língua ou outra, mas o nosso processo de fazer as músicas normalmente é ela cantar sons por cima daquilo e depois ir buscar frases que se colem nesses sons e fazer frases com sentido. Ou seja, há muita coisa ali que faz sentido, mas provavelmente uma ou outra ficou-se pelos sons, porque aquilo é que ficava bem ali. Não é nada rígido.
Como é que é feita a tua música? Dá ideia de haver muitos instrumentos, ou muitas máquinas, muita coisa a acontecer.
É um bocado por camadas. Não há assim tantos instrumentos diferentes, é basicamente um teclado Casio, uma guitarra, e pedais de efeitos. E não há assim muito… Parece que está a acontecer muita coisa ao mesmo tempo mas se calhar nem está, eu baseio-me na ideia de gravar loops e ir pondo por cima e ir acrescentando coisas, aquilo é muito cíclico, nunca chega a nenhum lado – algumas músicas sim – mas a maioria delas é muito repetitiva. Mas sim, começou por aí, por aquilo que falávamos há pouco, da descoberta, como estava a trabalhar sozinho queria fazer uma coisa que eu conseguisse fazer. E tinha o Casio, que tanto tem sons de teclado como tem patterns de bateria e outras coisas, como tinha isso à mão foi aí que comecei a fazer, no quarto, a tentar descobrir o que é que conseguia fazer com aquilo que tinha à mão, dentro do espectro que eu queria mais ou menos explorar.
Que tipo de música é que ouves, mais recorrentemente, e que mais te inspira?
Isso é daquelas perguntas lixadas, porque vou-me sempre esquecer de alguma coisa. Mas, para falar em bases, por exemplo, muita da cena brasileira, desde o Jorge Ben passando pelo Chico. África, muitas compilações de música africana antiga.
E tu jogaste, ou conheces, o Prince of Persia? É que a tua música transporta-me imediatamente para esse imaginário.
Sim joguei. Lembro-me que não consegui passar do primeiro nível. Mas ao princípio, quando comecei a fazer esta música, não me lembrou logo isso, mas depois sim. E ainda não fui lá cair muito, porque já há algum tempo penso que tenho de ir outra vez jogar para ouvir e tirar dali ideias, mas ainda não fiz isso. Mas depois se calhar vou copiar aquilo tudo e é melhor não [risos]. Mas sim, lembro-me muita bem do jogo.
Nesta altura já tens um novo disco gravado. Que álbum nos espera?
Está gravado há cerca de um mês. E era uma coisa que eu já queria fazer há algum tempo que era – não é tão linear como isto – mas a ideia era transpor o beat, a cena electrónica, para uma coisa mais progressiva, mais analógica. E acabou por não ser tanto isso, porque a primeira ideia era fazer um disco em que os beats pudessem ser complementados com bateria, até mesmo para ter outra experiência ao vivo, mais uma pessoa a tocar, depois lembrei-me logo do Ricardo [Martins], desde o início tenho a ideia de fazer isso com ele. E depois acabou por dar um bocado a volta a isso, porque o Ricardo é uma pessoa que se insere bastante nas coisas que faz, e ainda bem. E começámos a ensaiar antes de eu fazer propriamente as músicas e de as levar a ele, antes que começasse a acontecer isso, começámos a ensaiar os dois e a trabalhar os dois, então é um disco “meio-meio”, ele fez mesmo as baterias todas, eu fiz a outra parte – eu é que levava normalmente a ideia das músicas mas ele complementava, em termos rítmicos foi tudo ele que fez. Mas foi fixe porque continua a ir de encontro ao que existia antes, é Jibóia mas com uma onda rítmica diferente, o beat continua a lá estar mas é analógico, é um gajo que está a tocar. Mas continua a existir a repetição, as notas “presas”, mas está fixe, estou curioso. Não tem nada a ver com o Badlav, quer dizer, está lá o Médio Oriente, está lá a base – porque a ideia é que a coisa tenha uma coerência – mas a ideia também era do tipo “ok, isto já foi feito, fiz um disco assumidamente dance e quase pop, e agora queria mesmo experimentar quase um extremo oposto, ter uma bateria, ser uma coisa mais densa”. E acho que foi isso que saíu, o disco foi produzido por Jonathan Saldanha, que faz parte dos HYY & The Macumbas, e isso levou a que o disco ficasse com uma estrutura seca, mais densa, mais negra.
O anterior, Badlav, é um disco conceptual, pelo menos geograficamente. Este tem alguma dessas características assim mais vincadas?
Sim, acho que sim. Continua a estar num espectro muito próximo do Médio Oriente. Mas agora é uma coisa diferente, a bateria, que às vezes vai buscar uma parte mais tribal, mas continua a ter uma cena demarcada, com todo esse conceito que vem de trás, pega muito onde acabou o outro.
É cantado? A Sequin volta a participar?
Não, sou eu. É a primeira vez que canto numa coisa gravada – ao vivo, volta e meia, ponho voz. Mas no disco, já tinha uma ideia de tentar gravar umas vozes.
E em que língua?
Há uma música que a Ana Miró escreveu – eu criei a linha de voz, mandei-lhe e ela escreveu uma letra em hindu. As outras duas ou três que têm voz, é um bocado inventado, só sons.
Já tens título e data de lançamento?
Nada. Data de lançamento, talvez no início do próximo ano. O disco está gravado, ainda vai para masterizar e essas coisas todas. Nesta altura vou olhar para aquilo tudo e conceptualizar, arranjar um nome, nomes para as músicas.
Sobre a vertente ao vivo, em breve tocas no Magafest, vais estrear alguma coisa nova nesse concerto?
Não vou conseguir. O disco ainda vai demorar a sair e a ideia é eu conseguir ter um set com o Ricardo – apesar de querer continuar a tocar sozinho, a cena da electrónica e funciona melhor a certas horas e em certas salas, e esta coisa mais rock, com bateria, funciona noutras salas noutras horas. Mas no Magafest vai ser engraçado porque vai ser fora do resto das pessoas que vão lá tocar. Mas também acho que vou tocar em último, vai ser mais àquela hora em que esperemos que o pessoal já tenha bebido muita cerveja e que esteja mais virado para aí, porque se fosse noutra hora, no meio daquilo tudo, seria bizarro. Mas ainda não tenho a certeza se a Ana poderá vir, a ideia da Inês até era que fosse um espectáculo a dois. Mas vamos ver o que é que vai sair, se calhar até vou conseguir tocar uma ou outra deste disco novo, quem sabe, não as que fiz com o Ricardo, há uma ou outra que estão mais baseadas em beat. Eu só no próprio dia é que começo a matutar que tipo de espectáculo é que vai ser. Mas acho que vou sentir um bocado a vibe do dia todo, porque vai ser um dia mesmo bom, mas mesmo diferente da vibe de Jibóia e não é que me sinta obrigado a fazer uma coisa que encaixe ali, mas acho que faz sentido para quem esteja a ver o dia todo, chegar ali e aquilo ser uma continuação e estar inserido naquilo.
Para quem nunca te viu ao vivo, como funciona? Tens muitas coisas gravadas, é tudo feito no momento?
Eu tenho as bases gravadas, que são os beats que eu lanço, e depois faço tudo por cima, faço uma base grave, cena tipo baixo, e depois desbundo por cima, ou com guitarra ou com voz, vou acrescentando camadas. Mas sim, a ideia é ter o menos possível gravado, para poder acrescentar as coisas da maneira que estiver a sentir mais na altura, dá-me imenso prazer poder variar, não ter de ser uma coisa fixa, mas também não ter que ser uma coisa completamente free, tenho ali a base.
Para além desta encarnação de Jibóia, estás envolvido noutras coisas. Por exemplo, há uns meses, deste um concerto com o Rui Carvalho (Filho da Mãe), numa espécie de desgarrada à guitarra. Isso foi uma coisa que aconteceu só uma vez ou vão dar seguimento de forma mais séria?
É uma coisa que vai acontecer, está para acontecer há muito tempo, uma colaboração mais séria com o Rui. Eu já toco com ele há algum tempo, em bandas, e desde o início de Jibóia – e ele com Filho da Mãe – que temos conseguido juntar as coisas. Eu já tinha tocado com ele noutras ocasiões, já fizemos uma banda sonora dum filme antigo a convite do Curtas de Vila do Conde. Volta e meia vamo-nos buscar um ao outro para fazermos coisas, mas já há muito tempo que está para acontecer uma coisa mais concreta, um disco, uma coisa assim de raíz.
E também existem os Papaya, que lançaram há pouco tempo um EP.
E há mais um EP gravado. Papaya está sempre à frente de qualquer outro projecto, sempre à frente em termos temporais, de coisas para pôr cá fora, porque nós vivemos aquilo mesmo muito intensamente. O Bráulio – baixista e vocalista – foi daquelas pessoas que na altura em que comecei Jibóia tinha ido trabalhar para o estrangeiro. E quando ele está cá, tentamos aproveitar ao máximo – há um mês ele veio cá e compusemos um álbum. Além do EP que está gravado, também já temos um álbum que não está gravado mas já o compusemos. Temos sempre ideias a acontecer e há sempre material para sair.