
Tudo começou em casa, num segundo andar na Av. da República em Lisboa. Lá nasceram as MagaSessions, que mais tarde desembocaram num festival. Este ano será a segunda edição do MagaFest e, antes de arrancar, quisemos saber tudo sobre esta iniciativa. A mentora de tudo isto é Inês Magalhães, que nos recebeu nessa mesma casa onde decorrem as sessões mensais. Espreitámos o cartaz deste ano e ficámos a perceber que, seja nas Sessions ou no Fest, o universo Maga está feito para mexer connosco, com as nossas sensações e emoções, e deixar-nos quebrados de espanto.
O MagaFest existe no seguimento das MagaSessions. Como é que isto tudo começou?
O Magafest é a celebração das MagaSessions, é o apogeu de umas sessões musicais que começaram em Abril de 2012, com uma banda que era os Coreto. Eu tenho vários amigos músicos, o meu irmão trabalhou no estúdio Golden Pony, e eu cresci a ouvir os músicos. E há alguns, como os Coreto, há aquele primeiro passo dos músicos que é muito difícil dar, não têm material para se promoverem e depois, se ainda não tocaram em lado nenhum, é difícil irem tocar. Então eu e o meu irmão decidimos fazer um concerto, para amigos. Houve um concerto de Coreto, a 7 de Abril de 2012, em que vieram 30 pessoas. E na altura, já por brincadeira porque eu sou Magalhães, ficou MagaSessions, mas foi um nome não muito pensado, foi escolhido em 5 minutos. Bom, o concerto aconteceu e foi muita bom, fez-se um vídeo, fotografias, percebeu-se que além de eles terem gostado muito de dar o concerto e ficaram mais à vontade, muitas pessoas ficaram a conhecer o trabalho deles, eles ficaram com material, e era um espaço sem muitos constrangimentos. Ah, isto também aconteceu porque estávamos em 2012, crise, muita gente sem trabalho, eu inclusivé, não tinha dinheiro para ir a concertos. E então decidi trazer isso até casa e fazer com que toda a gente possa ouvir boa música. Agora existem muitos mais concertos em casas e espaços assim, mas na altura, não existia concertos em casa. E aqui era precisamente um espaço para as pessoas se sentirem em casa e não sentirem qualquer constrangimento por nada, onde pudessem ouvir boa música. E pronto, isto começou de maneira um bocado inconsequente, com um concerto de amigos para amigos, de músicos para músicos, numa altura em que era bastante necessário haver esse espaço, um outro espaço além das salas a que estamos normalmente habituados.
E ao fim de várias sessões decidiste avançar para uma coisa mais abrangente, o MagaFest.
Sim, passaram dois anos, cada vez com mais gente, e as coisas começaram a andar de tal forma, que pensei “por que não? Como é que um projecto que começou de forma tão inconsequente ganhou tanta força?” Porque se calhar era preciso, as coisas só crescem se houver esse nicho, essa necessidade por parte do público e essa vontade por parte de quem faz. E pronto, pensámos em sítios, bandas, falámos com os músicos e todos disseram que sim – mesmo não tendo muito orçamento – porque há uma vontade de ajudar. Ao longo do ano há as sessões e vêm aqui grandes músicos mas também artistas que dão, aqui, o seu primeiro concerto. E havendo esta vontade, minha e dos músicos, as coisas acabaram por resultar.
E na génese de tudo isto, parece-me, está uma forma ‘diferente’ de ver a música e a arte.
Mais genuína, talvez. É como elogiar a música só pela música, por isso eu digo celebração. É não ver a música, os artistas e a arte como um sítio onde se possa ir buscar dinheiro, mas onde se possa ajudar, ajudar a que as pessoas possam ver a música de uma maneira mais sincera, como uma forma artística.
O cartaz para este ano tem vários artistas “desconhecidos”. Como é que eles surgem no MagaFest?
A forma como eles aparecem é a mesma que nas MagaSessions, a linha que eu tenho é a necessidade… quando eu ouço alguém ou vejo um projecto que as pessoas devem ouvir, e devem ouvir porque lhes vai acrescentar algo, eu acho que é isso que é importante, alguém que está a fazer algo novo e não mais do mesmo. E acho que é isso, Simão, Garcia da Selva e Silence is a Boy, a razão pela qual estão no cartaz é porque eles trazem algo de novo que eu acho que deve ser ouvido, e deve ser ouvido porque te vai acrescentar, tu vais ouvir e vais pensar “isto é novo”. E o que eu espero que aconteça nas pessoas é isso, uma mudança. Nas MagaSessions já tive música experimental, folk, não vou seguindo um género musical, mas a linha – e acho que é a primeira vez que estou a dizer isto – a única linha que há nas MagaSessions é quando alguém ouve o que aqui vem e fica realmente surpreso, espantado.
(c) Vera MarmeloOlhando agora para os tais nomes mais desconhecidos, como é que os encontraste?
O Simão Palmeirim vem como Simão, ele teve uma banda que é Não-Simão – que esteve no MagaFest do ano passado e veio às MagaSessions. Eu já conheço o Simão há muitos anos e comecei por ouvi-lo a solo, depois ele criou a banda, mas eu sempre gostei muito de o ouvir a solo. Eu já lhe tinha lançado o desafio há muitos anos, estávamos no Galeto a falar e eu disse-lhe que gostava imenso de o ouvir a solo, só ele, guitarra e mais nada. Ele na altura, há uns 5 anos, ainda não tinha muita experiência, mas agora aceitou. Algumas das músicas ele depois adaptou à banda, Não-Simão, mas há músicas que funcionam muito bem a solo e para mim é essencial que as pessoas conheçam isto como eu comecei a ouvir, duma forma mais crua, mais melancólica, bucólica. E este, no Magafest, vai ser o primeiro concerto de Simão a solo.
Garcia da Selva é o Manuel Mesquita, conheço-o desde criança. Orgulho-me muito e sou grande fã do trabalho que o Manuel faz. Ele teve um concerto nas MagaSessions, há relativamente pouco tempo, e os trabalhos passados dele eram mais paisagens sonoras, uma coisa mais de contemplação e, entretanto, passou mais para uma performance musical. Ele foi mudando ao longo dos anos, também ele toca música há muitos anos e já esteve em muitos projectos, tem muita bagagem e é um músico genial, que tu ouves e não te esqueces.
Silence is a Boy vem de algo como as MagaSessions, mas que ainda não tinha nome. Ou seja, eram tudo amigos que, por tocarem e se verem tocar aqui e ali, decidiram fazer umas sessões e criar uma banda juntos. E é uma banda muito eclética, tem o realizador João Nicolau, a Mariana Ricardo que é irmã dele e tem uma série de bandas, o Pedro Inês que é actor, dançarino, cantor. Enfim. São mentes brilhantes, reunidas numa só banda e o resultado é incrível. É impossível ficar indiferente depois de ver Silence is a Boy, é música sem papas na língua, é uma performance, o Pedro Inês é actor, é dançarino portanto aquilo é um show. Como ele não vive cá, os concertos deles são muito raros.
Do outro lado temos nomes mais que estabelecidos, por exemplo, um concerto do Norberto Lobo com o Carlos Bica. Eles vão fazer algo específico para o MagaFest?
Eles já tocaram, poucas vezes, deram pelo menos dois concertos – na Culturgest e numa MagaSession. Mas o Carlos Bica não vive cá, eles são duas pessoas com muito trabalho e acabou por não acontecer muitas vezes esse encontro entre os dois e que é manífico, sublime, e que vai acontecer no MagaFest. Como o Norberto Lobo já foi ao MagaFest o ano passado pensei “não vou repetir, fica mal”, mas foi o Carlos Bica que me propôs, gostou imenso do concerto cá em casa e quis voltar a tocar com o Norberto. Não digo que o concerto deste ano comece do zero, mas acredito que irá, como sempre, ser um concerto único, não é uma banda, são dois brilhantes músicos que têm algumas notas, acordes de referência, mas aquilo é uma mistura de músicas que eles alinhavaram mais ou menos com improvisação. Acho que o que vai acontecer é algo sublime e diferente.
E noutros concertos, por exemplo, Minta & The Brook Trout, vai ser ‘mais um’ concerto, ou está planeado algo para este festival?
É sempre específico para o MagaFest. Elas já vieram fazer um concerto que foi um revival do One Foot In The Grave, do Beck, propositadamente para as MagaSessions e só aqui é que isso existiu. E para o MagaFest também, vai ser algo especial, mas eu não posso estar a revelar os segredos.
Tu gravas todas as sessões aqui em casa, no MagaFest também vais gravar?
Em vídeo, audio, fotografia. Há uma página Vimeo que é o arquivo, tem quase todas as sessões. A pessoa que grava os concertos, desde o primeiro concerto, é o Gonçalo Soares. Ele tirou Cinema, já está a fazer a sua longa-metragem, já fez várias curtas, está a crescer, mas desde o início ele vem filmar. É a única pessoa que está comigo nas MagaSessions desde o princípio, e este arquivo só existe por uma entrega muito grande dele.
Este arquivo é quase uma biblioteca.
Sim, temos cerca de 200 vídeos. Há uma ideia de criar uma colectânea, um DVD com as MagaSessions, já há uma lista escolhida de artistas, vou tentar que isso saia para o ano, para não ficar só na internet.
Infelizmente o nosso tempo está-se a esgotar, se não ficaria aqui a falar contigo a tarde toda. Alegações finais?
Há pouco tempo, noutra entrevista, perguntaram-me o que é que mudou ou o que eu pensava mudar da primeira edição para a segunda, e eu disse “praticamente não mudou nada”, e disse aquilo com alegria. As bases do projecto são as mesmas, criar um dia, ou sessões com qualidade e sinceridade, e eu acho que as pessoas podem esperar precisamente isto, e podem esperar isto para o ano e por aí em diante. E é isso, vai ser um dia em que as pessoas vão sair de lá diferentes, de certeza.