Dealema celebram 18 anos de carreira musical, uma banda de culto dentro do hip-hop e do rap português, Fuse, Maze, Mundo, Dj Guze e Expeão lançaram em Dezembro de 2013 o seu ultimo álbum Alvorada da Alma. Apanhámo-los no NOS em Palco e fomos falar com eles.
Qual foi a ideia por trás do vosso projecto musical, como é que os Dealema começaram?
Maze (André Neves) – Os Dealema surgem de Factor X e Full of Shit. No fundo surge de grupos de amigos que se juntam com o interesse comum que é o rap e o hip-hop e todo o universo da cultura do hip-hop…surge assim, dessa partilha de interesses e de queremos estar juntos a gravar, a ensaiar as musicas que íamos fazendo na altura. O Fuse e o Mundo já eram amigos de infância, eu conheci-os um pouco mais tarde e houve esse interesse de juntar forças.
Fuse – Era uma época, há 19 anos, onde havia muito pouca gente a gostar de hip-hop, a ouvir rap. Eu soube deles porque o Expeão disse-me: “olha que eu conheço uns rapazes ali do Liceu de Gaia, que ouvem esse estilo de musica”. Era tão raro e havia tão pouca gente a gostar disto..
Maze – Tu, naquela altura, quase só pela forma de vestir, conseguias perceber isso, quem gostava ou não desse género de música, hoje em dia é quase impossível…
Fuse – Quando nos cruzamos, era inevitável termos uma banda.
Alvorada da Alma “é uma nova primavera” É um novo começo para vocês… um álbum mais luminoso, menos sombrio, houve alguma decisão para essa ruptura com o álbum anterior?
Fuse – Nós construímos o disco com esse mesmo objectivo, ser mais luminoso, ser uma continuação do álbum anterior a Grande Tribulação. Foi esse fio condutor que seguimos desde o inicio com o objectivo de fazer este álbum mais alegre com mais luz, foi esse o nosso projecto. A Grande Tribulação é muito mais obscuro e sinistro.
Maze – A Alvorada da Alma marca um fim desse período mais escuro. É esse fio condutor que vai ligando os nossos discos e que contam uma historia contínua, provavelmente o nosso próximo trabalho vai estar colado a todo o nosso universo que vem de trás..
O Alvorada da Alma faz então mais sentido para alguém que vos acompanha desde o inicio, ou vocês dão abertura para que qualquer pessoa, que vos oiça pela primeira vez, se consiga identificar?
Fuse – Com o Alvorada da Alma, nós notámos que conquistámos pela primeira vez pessoas que não conheciam o nosso trabalham, é interessante…
Maze – Era muito mais difícil nós conquistarmos o grande público com A Grande Tribulação, porque nem todas as pessoas estão abertas a um disco tão denso e tão obscuro, e quando fazes musica mais luminosa é mais fácil chegar a toda a gente.
Fuse – As pessoas que nos seguem desde o inicio da nossa carreira, recebem este disco de forma diferente porque vêm pontos de ligação com trabalhos anteriores…
Por exemplo a “Amor/Veneno.. ” que é um remake de uma das vossas primeiras canções…
Fuse – Exacto, há esses pontos de ligação que só quem conhece o nosso trabalho pode perceber.
Sem meter de parte os beats, os samples ou os intrumentos que são parte integral do hip hop, a palavra é a arma neste estilo de música. Vocês acham que, internacionalmente, se tem perdido no hip hop essa arma, dando lugar a temas mais banais e superficiais, ou acham que são apenas fases?
Fuse – Acho que há muito mais diversidade. Continuam a haver músicos que dão o foco principal à palavra, mas, há quem queira chegar a muita gente, ao mainstream, a palavra perde força e o ritmo ganha aí o papel principal porque as pessoas querem-se divertir e dançar..
…Mais do que ouvir a letra..
Maze – Sim, mas depois tens um público que só quer ouvir aquilo, um público mais preocupado que procura na net, faz uma pesquisa..
Fuse – Podemos falar disto no hip hop, ou em qualquer outro estilo de música. Há a diferença, como o Maze disse, naquilo que recebes na rádio, na televisão, e a diferença naquilo que pesquisas, aí acabas por descobrir musica com conteúdo e realmente artistas que fazem por ter trabalho com qualidade.
Maze – Há mais de tudo.. há muito mais informação, muito mais pessoas a fazerem música e a disponibilizarem-na na net. Tens é que saber pesquisar procurar e é mais difícil escolheres, a oferta hoje é enorme.
E em Portugal, acham que há uma linhagem nas temáticas, por exemplo as vossas, ou mesmo as do Sam the Kid, entre outros, onde os temas do quotidiano, das vida nas ruas, são frequentes, ou também houve uma evolução?
Maze – Há muita gente a continuar nessa linha de pensamento, talvez a geração que já faz musica há mais tempo ou então pessoal que cresceu a ouvir esses artistas que mencionaste e acabam por ser automaticamente influenciados.
Fuse – Eu acho que todos passam por diferentes fases, pois há características no cantar rap, a primeira fase é quase como uma ego trip, todos escrevem sobre si: “eu sou o maior, eu faço isto, vocês não prestam”, depois há aquela fase mais negativa, temas mais sombrios, da realidade das ruas, da violência e tudo isso muda com o teu amadurecimento…
É um processo….
Fuse – Exacto, as nossas primeiras letras até agora também são diferentes, agora as letras são mais reais e mais fieis à nossa vida hoje em dia. Com 18 anos idealizávamos as coisas muito mais, quase como ter uma nave espacial e ir até não sei onde..
Maze – Tanto que nessa altura tu estas à descoberta de quem tu és artisticamente. Nós agora atingimos a maioridade artística. Se calhar, só agora é que sabemos quem somos e o que é que queremos fazer. Até aqui, atravessamos o processo da adolescência e de descobrir para onde queríamos ir.
Podem dizer que a Alvorada da Alma é a confirmação disso?
Maze – Sim, não só especialmente neste disco, mas é sem duvida um disco maduro, pois fizemos aquilo que queríamos exactamente fazer.
Vocês são uma banda que acompanharam muito a evolução do hip-hop em Portugal. Pode-se dizer que, hoje em dia, há mais espaço para este estilo de música cá?
Fuse – Há mais espaço do que havia à 18 anos atrás, sim. Mas estamos em Portugal, e somos um pais pequenino e tendo em conta, não só essa dimensão, mas o facto de consumirmos muito música americana, somando isso tudo, não sobra ainda tanto espaço para que haja um mercado de música hip-hop. Nós, no fundo, andamos a lutar há 18 anos e temos de dar graças por ainda estarmos aqui e termos cada vez mais fãs.
Maze – Tendo em conta a nossa escala, continuamos a ter pessoas que nos seguem incondicionalmente e que nos tornam uma banda de culto..
Fuse – Gostar de hip-hop torna o teu percurso musical, desde o inicio, logo mais difícil. É como crescer sem pernas. Tu podes ter uma vida normal como qualquer outra pessoa, será é mais difícil. Felizmente temo-nos safado muito bem, e com muito orgulho, sem pernas.
Maze – Há um mercado musical lusófono incrível por explorar.
Há muitos artistas novos que chegam, tentam, e passado um ano desaparecem, é o mercado português que não oferece espaço para todos?
Fuse – Se não tiverem coisas ricas a acontecer na altura, falando culturalmente, por muito amor que tenhas à tua arte, és tu a lutar sozinho. Se as coisas não acontecem és tu a fazer música para ti e para os teus e mais nada além disso. Não vais aparecer na televisão ou na rádio, e assim a cultura não evolui.
Vocês acham que existe diferenças no rap ou no hip hop no norte do pais e mais cá para baixo, ou seja, no sul?
Maze – Existem muitas diferenças, porque as pessoas são diferentes. Ao serem de uma cidade diferente tem automaticamente uma experiencia de vida diferente. Se vives em Lisboa tens uma multi-culturalidade maior e outro estímulos, se vives no Porto tens outras características regionais que transportas logo para a música. Se viveres em Castelo Branco ou em Faro vais levar essas características para a musica que fazes. A tua cidade, as pessoas com quem estás, o teu clima… tudo isso é inerente à musica.
Mesmo a pronuncia…
Fuse – Claro, dá outro ingrediente. É uma pergunta que sempre nos fizeram, porém focado mais entre as diferenças do hip-hop do Porto e o de Lisboa. Hoje em dia essas diferenças tornam as coisas mais interessantes. Pois dão outro tipo de sonoridade, de escrita, outro tipo de vivencias, de sotaques, e tudo isso são ingredientes que tornam as coisas diferentes. Até entre nós, uns são do Porto outros de Gaia, por exemplo o Guze só ouve música azeiteira portuguesa (risos)…
Dj Guze – (risos) Aliás, eu todos os fins de semana mantenho a tradição e vou à pesca…
Apesar das diferenças de estilo, vocês aprendem uns com os outros? Já não há tanta rivalidade?
Maze – Claro que sim. Sempre aconteceu, ao longo dos anos, com amigos que temos no meio. Estamos a falar com o Sam [the Kid] e ele refere-se a uma música nossa que gostou e vice-versa, é uma cena recíproca.
Fuse – Está tudo tão ligado. Antes, podia haver mais separatismo pois as ligações que haviam entre cidades eram muito menores. Hoje, com as redes sociais, está tudo tão ligado que não tens espaço para seres impessoal ou para haver rivalidades. Há miúdos que vivem em sítios isolados do resto do pais, onde não se passa quase nada, mas que tem um grande amor pelo hip-hop, deslocam-se às grandes cidades para verem grandes concertos, e com a net não se sentem tão isolados como antigamente.
A internet e as redes sociais vieram acelerar o processo?
Maze – Sim, há 18 anos quando fazias uma musica elas depois vinham assim [mostram uma cassete], neste formato (risos). Para as pessoas ouvirem, tínhamos de passar ao amigo, que passava ao amigo e que mostrava ao outro amigo… era um processo muito mais difícil. Agora pões na net, e é tudo mais rápido.
Fuse – A internet tem um lado positivo e um lado negativo. Hoje em dia os miúdos estão habituados a ter o coração nas teclas e a terem tudo de um modo mais automático, mais fácil. Nos crescemos numa altura, que eu acho abençoada, onde acabavamos por construir tudo de uma forma mais sólida, pois não havia nada, era tudo mais especial… Eu passo-me, de vez em quando, quando vou ao mural do Facebook e vejo miúdos a dizer que estão prontos para “lançar o melhor beats das suas vidas”, e são miúdos que não tem nome de artista, não tem banda, não tem nada…
Há uma pressa desnecessária…
Maze – Sim, há um grande facilitismo em fazeres o processo todo em pouco tempo. O que dantes demorava muito tempo, tinha muitos intermediários, tinha muita gente a trabalhar para que aquilo chegasse ao produto final, hoje fazes em casa no computador.
Dj Guze – Isto vai directamente à pergunta que tinhas feito sobre os miúdos que vem e desaparecem rápido no mundo da musica. A tecnologia que há hoje em dia permite fazer-se as coisas a uma grande velocidade e depois perde-se um bocado a noção, é tudo tão rápido que eles acham que amanhã já estão a dar concertos e passado duas semanas lembram-se que as coisas não são assim e desistem, basicamente esse é o principal motivo de haver tanto mas não serem fixos, não ficarem.
(Fotos: Francisco Fidalgo)