Saiu há poucos meses o 9º disco dos Animal Collective, Painting With. Esse foi o pretexto para uma entrevista com o membro mais português do grupo, Noah Lennox, que conhecemos como Panda Bear. Publicamos esta entrevista no dia em que a banda toca no NOS Primavera Sound e mergulhamos em maior detalhe no novo álbum, na carreira de Noah a solo e muito mais. Não é todos os dias que estamos perante um tão grande artista e como a ocasião era solene, levámos uma comitiva – Francisco Marujo e Miguel Moura fizeram as perguntas, Duarte Pinto Coelho fotografou.
Altamont: Achas que, musicalmente falando, é mais difícil encontrar novos caminhos para seguir hoje em dia do que em 2001-2002 ou ainda sentes que há muito para explorar?
Panda Bear: Ainda acho que há muito para fazer. Não que fosse óbvio antigamente mas talvez o seja menos agora que já fizemos muitas coisas diferentes e é mais difícil separarmo-nos do passado. Quando começas, ninguém tem expetativas, tu não tens história e por isso há todo um mundo de possibilidades, podes fazer o que quiseres. Quanto mais fazes mais tens de te distanciar.
Nesta digressão vocês têm tocado canções antigas como a “Bees”, a “Loch Raven” e a “Daily Routine”…
E a “Alvin Row” que é muito antiga apesar de tocarmos só metade da música.
É verdade! Pessoalmente, não consigo imaginar a “Bees” ou a “Alvin Row” a serem tocadas ao lado de canções como “FloriDada”, “Golden Gal”, etc. Ainda há algo nessas canções que significa muito para vocês ou acham que, tematicamente faz sentido tocá-las no mesmo contexto. Com a Alvin Row sinto que é mais para agradar aos fãs.
Fazemos de tudo um pouco e acho que chegamos a um bom meio termo. Eu gosto de tocar as músicas novas mas encontramos sempre fãs que nos perguntam porque não tocámos esta ou aquela música. As músicas antigas às vezes obrigam-nos a transformá-las de modo a fazerem sentido no contexto dos novos concertos mas tentamos sempre escolher canções que, em princípio são parecidas com as novas. A Alvin Row soa completamente diferente agora.
Vocês recentemente anunciaram o “Animal Collective Camping Weekend”. Isso foi uma ideia que tiveram durante a gravação do novo disco ou é algo que andam a preparar há vários anos? Em 2011 vocês trataram da curadoria do festival “All Tomorrow’s Parties”
Eu só descobri que ia ser um “Camping Weekend” há duas semanas (risos)! O Dave (Portner, Avey Tare) foi a um festival semelhante organizado pelo Will Oldham (Bonnie “Prince” Billy) e que era exatamente a mesma coisa: várias bandas a tocar durante 2 ou 3 noites seguidas. Nós gostamos muito de Big Sur, tocámos lá várias vezes na Henry Miller Library que fica no meio de um bosque. O Dave anda a trabalhar nisto há mais ou menos um ano e eu soube há dois meses que iamos tocar em Big Sur mas assumi que fossemos tocar na Henry Miller Library de novo.
Haverá Campfire Songs no “Camping Weekend”? (risos)
Provavelmente não mas é uma boa ideia! Se vivêssemos todos na mesma cidade talvez conseguíssemos fazer algo nesse sentido mas vivendo tão longe uns dos outros é muito difícil.
Há mais alguma razão em especial pela qual vocês escolheram Big Sur? Para mim, Big Sur é o livro de Jack Kerouac.
É um daqueles sítios mágicos, tipo Sintra. Há algo especial no ar quando visitas esses locais. Mas a única razão foi mesmo o facto de o Dave ter ido ao festival e querer fazer algo semelhante. Para além disso ele tem vários amigos em Big Sur.
Planeiam fazer disto um evento anual ou é só este ano?
Que eu saiba é só este ano mas estou aberto à possibilidade de o repetirmos se correr tudo bem.
O Painting With e o Panda Bear Meets the Grim Reaper recorrem a samples…
O Painting With nem tanto. No Grim Reaper usei muitos samples de bateria.
Reparei que há aqui um padrão. O Person Pitch também recorre a samples. Achas que, no futuro, vais voltar a fazer algo mais rock como o Tomboy ou talvez algo mais acústico como o Young Prayer?
Possivelmente. Há duas coisas que tenho andado a pensar fazer e são mais ou menos isso que disseste: uma mais rock e outra mais ligeira. Não sei como o fazer mas gostava de escrever música para um coro. Não necessariamente para eu cantar. Mas sim, vejo-me a voltar a esse tipo de sonoridade. É difícil porque como já disse, tu não queres repetir-te. O Painting With por acaso soa-me bastante rock. Muitas das coisas que o Brian [Weitz, Geologist] faz são samples não de canções mas de uma moeda a cair no chão por exemplo. Não os queriamos usar da mesma maneira que os usámos nos discos anteriores na medida em que o sample faz a base da canção. Os que usámos neste disco aparecem pontualmente mas dominam completamente a canção como o sample da “Wipe Out” na “FloriDada”.
O Painting With é um disco muito mais composto e menos improvisado que os discos anteriores.
É hiper-concreto e preciso.
Mas os vocais são como um “cadavre exquis”: Tu cantas uma parte e o Dave responde. O que é que mudou na composição e gravação do novo disco, se é que alguma coisa mudou?
Lembro-me que eu e o Dave andávamos a trocar ideias por mensagem em Agosto do ano passado. Normalmente temos todos muitas ideias e é raro usá-las todas num único disco. Quando acabamos geralmente consigo ver apenas umas 5 ideias que foram usadas desde o início até ao fim. Neste disco a ideia de termos duas vozes a cantarem de forma a tornarem-se numa só foi algo que queriamos implementar. O método que usámos é diferente: Nas canções do Dave, geralmente eu repito cada frase a seguir a ele enquanto que nas minhas eu queria fundir as duas vozes de modo a que estamos a cantar as mesmas sílabas mas com notas diferentes e tudo parece muito mais rápido. Há quem ache que soa mal mas eu gosto.
Ao vivo talvez o resultado seja menos preciso porque é um ambiente diferente.
E é mas é por isso que eu gosto das versões ao vivo. Soam muito mais orgânicas. O disco é muito mecânico e isso é uma das razões pelas quais eu gosto de ter o Jeremy [Hyman, baterista dos Ponytail e Avey Tare’s Slasher Flicks] a tocar com a banda. O estilo dele é muito fléxivel e livre. É parecido com aquilo que eu toco nos dois primeiros discos mas ele toca bem melhor que eu (risos).
Como é que fazem um disco quando se encontram separados por um oceano inteiro. É difícil imaginar os Animal Collective em estúdio. Parece que a música surge naturalmente
Escrever as canções e gravá-las no estúdio é a minha parte favorita e a razão pela qual eu faço isto. E nesta altura do campeonato estamos em forma em termos de trabalho no estúdio. Este disco e o Merriweather Post Pavilion foram feitos rapidamente. A “Golden Gal” foi escrita pelo Dave antes de começarmos a trabalhar neste disco Eu comecei no dia 1 de Janeiro do ano passado e trabalhei até meados de Fevereiro até ter as demos de todas as canções. Gostava de as lançar no futuro porque são versões diferentes das que saíram no disco mas vai ser difícil convencer o Dave. Desta vez tinhamos demos muito completas e já temos um sistema para trabalharmos mesmo estando separados. Fazemos muito trabalho individual e preparação prévia e depois temos um período de 2 ou 3 semanas em que ensaiamos e organizamos as ideias todas até termos as canções e só depois é que as gravamos ou tocamos ao vivo.
O equipamento usado é diferente? Que tipo de instrumentos é que ouvimos em Painting With?
Nos concertos uso o Octatrack, um sampler/sequenciador e um sintetizador modular. Existem algumas coisas no disco que nós não conseguiríamos reproduzir ao vivo mas que achavamos necessário tocar. Não são backing tracks mas uso alguns desses sons no Octatrack. O Dave canta e toca teclados e sintetizadores. O Brian usa um software especial para manipular o som dos samples mas também usa um sampler como usa há anos e um teclado. Não usamos guitarra em nenhuma parte do processo. Queriamos um disco com ênfase nas vozes e na bateria. Soa minimalista aos nossos ouvidos mas há pessoas que acham que é um disco denso.
Muitos dos vossos discos podem ser descritos dessa maneira: ritmo e vozes, mas ao mesmo tempo há algo de muito complexo e denso neles. Como tem sido a crítica do disco e dos espetáculos?
Os concertos têm tido uma boa recepção. O disco foi muito pior do que eu estava à espera. Julgava que as críticas iam ser muito boas. Acho que é dos melhores discos que fizemos. Sinto que já vi todo o tipo de críticas que podem ser feitas, desde “Isto é excelente” até “Isto é a pior coisa que ouvi em toda a minha vida”
O título do disco e a capa, com referências a tinta e a pintar acaba por descrever a maneira como vocês escrevem a vossa música. Acham que este é o título que melhor encapsula a vossa música!
Sem dúvida! Apesar de tudo, só começamos a falar de pintura a meio das gravações. Aconteceram duas coisas ao mesmo tempo. Como nenhum de nós tem um vocabulário técnico para falar de música, acabamos por usar gestos ou metáforas para exprimir aquilo que queremos fazer. E, por algum motivo, começámos a usar muitas analogias com tinta. Dizíamos, por exemplo “Quero um som que se assemelhe a pegares num pincel e pintares a canção de vermelho carregado.”. O nosso amigo Brian DeGraw tinha no seu Instagram muitos retratos parecidos com a capa do disco: desenhados, recortados, pintados e sentimos que o que ele andava a fazer tinha muito a ver com a maneira como estávamos a gravar as canções. Foram dois acontecimentos sincronizados.
Podemos esperar uma experiência de realidade aumentada para visitar FloriDada?
Nós queremos muito fazer algo com realidade aumentada. Tive a minha primeira experiência com essa tecnologia há 3 semanas nos escritórios da Google. Eles tinham um programa chamado “Tiltbrush” que te permite desenhar objetos em 3D. Gostava de fazer algo assim um dia destes mas ainda não sei se é possível.
Talvez possam fazer a sequela do ODDSAC!
Isso seria fantástico (risos)! O ODDSAC demorou imenso tempo a ser produzido, foi esgotante para todos nós. Não sei se estamos dispostos a fazer um projeto dessa dimensão assim tão rápido
Existe um aspeto multimédia nos concertos de Panda Bear e dos Animal Collective. O que é que há de novo nestes espetáculos?
Não estive envolvido na criação destes adereços. Dos que a Abby fez para nós até agora estes são os meus preferidos. Ela fez aquilo tudo e foi difícil porque o orçamento não era tão grande como em digressões anteriores mas o Dave não queria fazer algo mais simples. Acho que ficou mesmo bem! Apesar de não o conseguir ver em ação durante os concertos, vejo videos e fotos e está mesmo incrível!
O vosso último concerto em Portugal foi no CCB, o próximo vai ser no NOS Primavera Sound – vai ser muito diferente?
Claro. As novas músicas têm mais energia e são mais diretas e rápidas mas as do Centipede Hz tinham uma maior dinâmica.
Lisboa aparece no disco ou é só Kiev?
Não literalmente mas Lisboa aparece sempre. Eu vivo aqui e isso acaba por influenciar a música.