No ano passado, Luís Nunes fez nascer Benjamim. Depois de finar Walter Benjamin, mudou-se para Alvito, começou a escrever canções em Português, lançou um disco – considerado o melhor do ano para a equipa Altamont – e esteve em digressão de Norte a Sul do país, com 33 concertos seguidos. A acompanhá-lo, durante quase todo o processo, esteve o realizador Gonçalo Pôla, que nos oferece agora Auto-Rádio, o documentário. O filme estreia esta sexta-feira, no Cinema Ideal.
O documentário, Auto-Rádio, estreia esta semana. É uma visita guiada ao disco ou à tour?
É basicamente uma visita guiada à tour, ao disco, ao país e ao contexto que nós temos hoje em dia, ou seja,acho que é um filme muito transversal. Quem tiver aquela ideia que é tipo amigos com uma handycam na estrada, eu acho que não é nada disso, apesar obviamente também ter esse lado.Tem o lado da estrada, o filme está estruturado como uma viagem, tal como o disco está estruturado como uma viagem e tanto o disco como o filme têm o mesmo nome e têm a mesma raiz. O Gonçalo, que realizou o filme, foi a pessoa que mais presente esteve durante o processo de gravação do disco, ele vive em Alvito e quando eu comecei a fazer o disco, ele também começou a fazer… É engraçado, nós começámos os dois numa fase um bocado perdida, eu a querer começar a fazer canções em português, um disco em português, ele também estava a tentar de certa forma organizar a vida dele, profissional, e estávamos os dois no meio do Alentejo e começámos a interagir muito um com o outro, éramos visitas muito regulares a casa um do outro e ele assistiu ao processo todo. E portanto, tal como o disco nasce e depois nasce a ideia da tour – quando nasce a ideia da tour dos 33 dias, ele estava comigo, foi com ele que eu partilhei essa ideia – também este filme nasce de uma ideia comum e da mesma origem. Uma coisa que nós queríamos fazer era um filme transversal, que reflectisse o disco e reflectisse também o processo todo de fazer música. Obviamente que é focado neste [disco] específico, mas acho que também se aplica no geral, não só ao meu disco.
E depois, a maneira como está estruturado, tu passas, nos 33 dias de viagem que nós fizemos no Verão, pela sequência cronológica, mas ao mesmo tempo passas pelas músicas do disco – pela sequência do disco – e isso obviamente traz as temáticas específicas de cada canção ou outras temáticas específicas. Na parte em que aparece “O Quinito foi para a Guiné” obviamente falamos do Quinito, mostramos quem é o Quinito, tal como a “Rosie”, que é uma canção que eu gravei com o AP Braga, que ele escreveu em 1973 com o Fausto,por acaso esse é o momento que me custa mais ver, no filme. Portanto eu acho que é um filme extremamente transversal, e depois tem contribuições de muita gente diferente a quem nós pedimos testemunhos, fala de outras bandas, fala do que é que está a acontecer agora, acho que é um documento que também contextualiza o momento que estamos a viver agora, acho que isso era importante. Acho que documenta um bocado o país e os sítios onde se pode fazer música pelo país, porque um dos nossos objectivos era – durante aquele Verão – criar um circuito alternativo àquele que é o comum de os músicos fazerem, isto era uma necessidade minha porque, tendo um disco que ainda não tinha saído, obviamente que nós não nos conseguíamos aventurar por um circuito mais estabelecido – apesar de ainda ter ido tocar a festivais como o Bons Sons – mas nós queríamos mesmo criar um circuito alternativo e alternativo a Lisboa e ao Porto. E portanto acho que acabamos também por documentar tanto sítios improváveis onde se faz música, como sítios onde se faz música de maneira mais regular mas que não estão dentro de um circuito, servem mais os núcleos onde estão inseridos, locais mais remotos, ou sítios onde não há música mesmo, e se calhar não é suposto haver música. Houve sítios onde nós tocámos onde se calhar, não diria que foi um erro tocar lá, mas nós percebemos que naquele sítio não faz sentido haver música.
O filme tem várias dimensões paralelas, que compreendemos através de Auto-Rádio?
Há vários lados interessantes no filme. Auto-Rádio é como tudo começa, é o rádio do meu carro. Também há um lado de amor… A Rádio é uma coisa super importante na vida das pessoas, às vezes as pessoas nem se apercebem de quão importante é, também uma ode à ideia da rádio, uma ode à ideia de quem faz rádio. Nós fomos às três rádios universitárias portuguesas – à do Minho, à do Algarve e à de Coimbra – e as pessoas que lá trabalham, que fazem os seus programas, voluntariamente a maioria delas, é interessante ver as pessoas que ainda têm aquela paixão pela música e a paixão por fazer rádio. Esses universos paralelos que estão no filme, todos vão ser unificados à volta do Auto-Rádio, que vai viajando pelo país inteiro, essa ideia do rádio do carro.
E além das rádios Universitárias, também foste a várias rádios locais.
Não conseguimos encaixar tudo no filme, todas as entrevistas que fizemos, mas fomos a muitas rádios locais, fomos fazendo entrevistas durante o caminho, foi muito engraçado. Depois há outro lado, a história do filme… Eu não sou entrevistado, era um bocado patético, porque este filme tem um lado quase mockumentary, apesar de não ser, mas há um lado da construção da personagem, de construção da história que nós tentámos respeitar ao máximo. Mas eu ser entrevistado para o filme acho que era um bocado pateta, porque não seria uma coisa natural, então quando eu falo no filme, quase sempre, é através da rádio. E a narrativa vai sendo construída à volta das emissões de rádio e também de pessoas que fazem a rádio, o Pedro Ramos (Radar), o Henrique Amaro e Luís Oliveira (Antena 3), aparecem vários programas de várias pessoas, portanto nós fomos buscar esse arquivo todo para construir a narrativa.
A tournée de 33 dias também acaba por ser um ponto forte do filme?
É um ponto forte. Obviamente não teria o mínimo interesse um filme em que tens 33 palcos e nós estamos a andar dum lado para o outro pelo país. Tu vais sempre viajando, e é bom que vás acompanhando essa viagem até ao final do filme e até ao final do disco e até ao final da narrativa, mas é só um lado. Há imagens muito interessantes de Portugal.
E vamos ficar a perceber como é que o disco foi feito, composto, gravado?
Sim, desde o estúdio até problemas que surgiram durante o disco, todo o processo – obviamente tem de ser sintetizado – mas tem desde a história das canções, a história da gravação do disco, quem é que toca no disco, estúdio, ensaios, todo esse tipo de coisas.
Nesta altura já passaram vários meses desde que o disco saiu, desde que deixaste de ser Walter Benjamim e passaste a cantar em Português. Olhando para trás, que balanço fazes desta nova encarnação?
Estou super contente, acho que as coisas que aconteceram ao longo do último ano – o primeiro single saiu em Abril do ano passado – a diferença daquilo que estamos a fazer é gigante. Há um ano eu estava em pânico para conseguir gravar um disco e pensar o que é que vai acontecer, como é que vamos fazer isto? Há exactamente um ano eu estava a acabar de gravar o disco para ir ensaiar para irmos em tour. No filme nem se percebe quão rápido e quão louco foi este processo. Mas estou obviamente muito satisfeito, acho que as coisas têm corrido bem, já devemos ir nos 70 e tal concertos – nunca dei 70 concertos com Walter Benjamin. Olho para o disco com a distância suficiente para saber que temos que fazer outro e temos de fazer melhor e podemos fazer melhor, mas estou satisfeito, acho que estamos a tocar cada vez melhor ao vivo, a coisa está cada vez mais sólida e esse é o meu principal objectivo, que musicalmente a coisa cresça naturalmente e com calma e com passos pequenos e sólidos.
E acredito que já estejas a pensar no futuro, quiçá num disco novo?
Já há meio disco novo, mas isso é uma coisa que virá a seu tempo. Já está meio disco gravado, é um disco de colaboração, mas não faço ideia quando é que vai estar pronto, nem quando vai sair. Não vai demorar assim tanto tempo mas não sei ainda.