Heaven é um daqueles álbuns que parecem não ter data, ouve-se tão bem hoje como se ouvia em 2012, e cada faixa flui para a seguinte de tal forma que sentimos que o fim do disco chega antes do tempo.
Foi há alguns anos que o meu pai, melómano de excelência, me levou a uma FNAC por ocasião de uma qualquer promoção leve dois pague um nos CDs. Não fosse ele extremamente metódico, a lista de compras já ia meio definida. Ia levar a compilação Dark Was The Night, produzida pelos gémeos Dessner dos National, embora não fosse isso que o movia. Tinha lido na Uncut que aquele disco tinha “tudo o que valia a pena ouvir no indie”. Faltava escolher a segunda compra e não demorou a pegar no Lisbon, dos Walkmen. Não sei se a escolha foi premeditada ou apenas bom instinto, mas sei que pouco tempo depois tínhamos bilhetes comprados para ver os Walkmen no antigo TMN ao vivo a apresentar o seu mais recente trabalho, Heaven. E foi assim, caro leitor, que em 2012, quando o conteúdo do meu iPod ainda era uma estranha mixórdia de quem ainda não sabe bem do que gosta, que cheguei ao belíssimo álbum sobre o qual me debruçarei de seguida.
Heaven é o sétimo álbum dos Walkmen e o último até à data. Saiu em Março de 2012, dois anos depois do supramencionado soalheiro Lisbon. Todo o disco é uma maravilha de guitarras delicadas que se misturam com refrões que apetece entoar em coro com Hamilton Leithauser e, quiçá, com uma sala cheia. É um daqueles álbuns que parecem não ter data, ouve-se tão bem hoje como se ouvia em 2012, e cada faixa flui para a seguinte de tal forma que sentimos que o fim do disco chega antes do tempo.
É com “We Can’t Be Beat” que somos apresentados, calmamente, só voz e guitarra e coros de um convidado Robin Pecknold, dos Fleet Foxes, numa canção que marca na perfeição o ritmo para o resto do álbum: a vida não é perfeita, mas estamos bem com isso (I don’t need perfection, I love the whole). Parece que ainda estamos a entoar “We Can’t Be Beat” e já “Love Is Luck” nos leva pela mão, certeira, para não perder o balanço. O refrão é orelhudo, o primeiro de alguns, e a guitarra transborda rapidamente para a faixa seguinte, “Heartbreaker”, que também não demora a pôr-nos a cantar I’m not your heartbreaker. Mal damos por nós e ouvimos Hamilton Leithauser a uivar. É “The Witch”, romântica resignada, it starts like this (e lá está a guitarra), a kiss is a kiss, love will decide… Em “Southern Heart” a guitarra vira acústica mas sem destoar, momento introspectivo. Respiramos. Seguimos viagem, até porque a guitarra já é eléctrica outra vez e ganha nova primazia em “Line By Line”. Com a banda de novo em palco, surge “Song for Leigh”, doce e solar, e ouvimos Hamilton Leithauser a cantar para a filha I’ll sing myself sick about you.
Mais uma vez, ainda estamos a repetir o refrão com o coração mais quentinho e já “Nightingales” não permite descanso. Descanso esse parece vir a seguir: “Jerry Jr.’s Tune” tem apenas um minuto e meio. A guitarra abranda e nós abrandamos com ela, mas não por muito tempo. “The Love You Love” e “Heaven” vêm a seguir, de rajada. Nenhuma tem a força de “The Rat” mas parecem ser canções para se ouvir (e cantar!) ao vivo. De notar que “Heaven” é a canção que se ouve na última cena do último episódio da série How I Met Your Mother, facto que pode ajudar a explicar o elevado número de streams da canção no Spotify.
Heaven termina com “No One Ever Sleeps” que se dilui muito bem e sem darmos por nada em “Dreamboat”. Ambas contam de novo com Robin Pecknold que vem despedir-se, juntamente com a guitarra que nos conduziu e o belo vibrato de Hamilton Leithauser. Ficamos com os seus oh no no no a reverberar no crânio e demoramos a perceber que não vem mais nada a seguir. Não faz mal, deixamos que reverbere mais um bocadinho.
Os Walkmen, entretanto, entraram em hiato. Há carreiras a solo às quais dar atenção e ainda bem, mas não deixo de ficar contente por nos terem deixado Heaven antes de irem. Um disco que é o culminar triunfante de 10 anos de carreira em que os miúdos de Nova Iorque parecidos com os Strokes dão lugar a pais de família satisfeitos com a vida. Para mim, é um disco a que gosto de voltar, por ter sempre o condão de me transmitir algum calor. Com sorte os Walkmen voltarão a Lisboa, lugar onde já foram felizes, e eu ainda hei de ter a oportunidade de cantar os refrões de Heaven outra vez.