Alceu Valença levou ao Estoril o concerto Valencianas II. Lotado desde há dias, o alinhamento não repete temas do ótimo Valencianas original, e nem por isso perde brilho. É sempre bom percorrer os caminhos do mestre Alceu, mesmo quando não tão conhecidos.
Não é novidade para ninguém. Alceu Valença é o mestre que Pernambuco deu ao mundo e que o mundo soube entender e acolher desde sempre e da melhor maneira. Portugal, pátria irmã de tantos músicos brasileiros, também o soube receber (e não é apenas de agora) da forma intensa e calorosa que o artista merece. Ontem, cumpriu-se a boa regra pátria do bom acolhimento. Valencianas II estreou dia 20 no Porto, e ontem foi a vez do espetáculo fazer escala no Estoril, na bonita Sala Preto e Prata.
Alceu Valença é o caso típico de um artista que sempre soube valorizar a cultura do seu estado natal e do seu país de origem. O frevo, o aboio, o forró, o maracatu e o baião, apenas para dar uma mão cheia de exemplos, são géneros que estão na origem da arte de Alceu Paiva Valença, cidadão maior de São Bento do Una e artista de topo da música popular brasileira. O que acontece de interessante com o projeto Valencianas, é que a fusão desses ritmos populares com as cordas clássicas de orquestra quadram perfeitamente bem, rompendo-se um pouco a ideia de que popular e erudito não combinam e dificilmente podem andar de mãos dadas. Disparate perfeito. Alceu Valença e o maestro Rodrigo Toffolo com a Orquestra Ouro Preto reduzem a pó esse antigo preconceito.
Todos os temas de Valencianas II são do próprio Alceu, que foi lamentando, desde o primeiro Valencianas, a ausência de muitos e bons temas da sua larga carreira, por força da economia do espetáculo original. Com a extensão, por assim dizer, que agora chega ao palco, é possível ouvir todo um grande conjunto de canções que não couberam na primeira fase do projeto. Por isso, ontem pudemos escutar “P de Paixão”, “Borboleta”, “De Janeiro a Janeiro”, “Na Primeira Manhã”, “Tesoura do Desejo” (esta com direito a uma curiosa história introdutória e explicativa de como a canção nasceu), “Eu Vou Fazer Você Voar (recentíssima, de 2019), “Como Dois Animais”, “Tomara”, “Taxi Lunar”, entre algumas outras.
O show Valencianas II não repete, no seu alinhamento original, qualquer canção do espetáculo original. No entanto, quando o fim do concerto se aproxima, Alceu Valença abre algumas exceções e as inevitáveis “Belle de Jour” e “Anunciação” acabam por aparecer, levando o público que esgotou a sala a entrar em desbundante delírio.
Como nota final, lembramos o facto de Alceu Valença continuar a possuir uma invejável voz e uma magnética presença em palco, mesmo estando sentado o tempo inteiro, uma vez que os mais de vinte músicos que o acompanham a isso obriga. São já muitos anos de carreira e de prestígio. Alguns dos temas maiores da sua vasta discografia ganharam ontem nova e clássica roupagem, feita à medida das canções que todos conhecemos. Ficou bem o fato que vestiram. Justo, intemporal e com a classe do costume, que se renova a cada audição.
Valeu, Alceu! Valeu!