Let it Be é o álbum que serve de elo de ligação entre o punk e o grunge.
Começo este post com a partilha de um sentimento: a análise a álbuns que temos como de estimação é sempre enviesada quando não assistimos ao vivo e a cores ao seu momento de lançamento. É sempre difícil (para não dizer impossível) tentar colocarmo-nos na pele de quem estava lá, de quem ouvia música, de quem andava informado sobre as bandas que iam aparecendo (num já tão distante mundo sem internet) e ter a real percepção do impacto de uma banda ou álbum em dado momento do tempo. Há álbuns que na altura ninguém ligou e hoje são tidos como obras primas (vide a obra de Nick Drake) e outros que eram sensações e hoje ninguém se lembra deles (tanto one hit wonder…). E depois há para ali no meio umas bandas que poucos ligaram, nunca tiveram muita atenção mediática, mas mesmo assim foram resistindo ao teste do tempo, através do passa palavra de uns quantos teimosos. Aqui se encaixam os Replacements. Quem nunca ouviu falar deles não desista já – vai valer a pena descobrir uma banda essencial na história da música. Para quem já ouviu, fica o desafio de ir à re-descoberta.
Formados em 1979, em Minneapolis, inicialmente por Chris Mars e pelos irmãos Bob e Tommy Stinson (este último apenas com 13 anos na altura), foi com a inclusão de Paul Westerberg que se estabeleceram como The Replacements. Apanharam portanto os tempos de mudança entre o punk (presente em força nos seu álbum de estreia Sorry Ma, Forgot to Take Out the Trash de 1981) e o pós-punk e foi neste limbo que granjearam uma boa base de fãs na sua cidade natal. Mas não só pela música se falava deles, já que incorporavam de corpo e alma o motto punk, aparecendo muitas vezes em concerto completamente bêbados, tocando só covers, entre outras formas de antagonizar o público. Nunca se sabia o que esperar de uma actuação ao vivo de Westerberg e seus comparsas.
Concentremo-nos agora mais em Let it Be, terceiro álbum da banda, lançado em Outubro de 1984. E começo por um statement polémico – este é o álbum que serve de elo de ligação entre o punk e o grunge. Temos presente neste álbum as provas que suportam a afirmação – ouçam “We’re Comin’ Out” e transpira a Soundgarden. “Favorite Thing” é Mudhoney. “Androgynous” é puro Mother Love Bone. Irem buscar “Black Diamond” aos Kiss só serve para cimentar a teoria. A inclusão de temas a roçar o heavy metal e depois outros de calmia, praticamente voz e guitarra. E o tom gozão das letras para com a música que dominava os tops, uma das forças motrizes das bandas acima referidas é também dominante. As peças encaixam todas como num puzzle. Deixei para o fim o ponto alto do álbum, que é mesmo a música de abertura, “I Will Dare”, grande grande malha, baixo a marcar o ritmo, sempre bem acompanhado de bateria no verso, guitarra a assumir a liderança no refrão, letras a desafiar tudo e todos. Solo de guitarra pelo meio com toques bluesianos. Um mandolim bastante nervoso lá no fundo. Um portento.
Daqui não havia outro caminho para os Replacements do que ladeira abaixo. Os excessos foram cobrando a factura, a passagem para uma major label não funcionou, mudanças de membros da banda passaram a ser frequentes e Westerberg ainda conseguiu arrastar a coisa por uns tempos. Mas fica mesmo para a história é este disco de jovens teenagers inconscientes que souberam relatar a sua vida e ainda para mais com uma bela base sonora a apoiar. E isso é muito.