All We Are Saying… é uma constelação de estrelas, todas elas cintilantes e bem vivas, mesmo que a principal, a estrela inspiradora, já nos tenha deixado fisicamente há pouco mais de 35 anos. Mas isso importa pouco, uma vez que a sua presença é ainda tão óbvia, que parece permanecer connosco, ao nosso lado, todos os dias. De quem falamos, então? De Bill Frisell, guitarrista de mão cheia e de provas dadas nos últimos vinte e cinco anos, de Lee Townsend, multifacetado produtor, curador, homem com um extenso rol de trabalhos de invulgar qualidade, e do mago John Lennon, que não carece de qualquer apresentação. É este último, aliás, a força motriz deste trabalho de 2011, uma vez que as dezasseis canções de All We Are Saying… são suas, ou seja, são nossas, não fizessem elas parte das nossas vidas, do nosso imaginário, até porque correm no sangue de todos os melómanos do mundo. O disco de Frisell é, como se percebe, uma festa! Mas uma festa comedida, contida, adulta, em que a vertente contemplativa dos universos sonoros explorados ganha pontos a cada audição, levando o ouvinte a fechar os olhos, não de sono, mas de prazer, para melhor sentir a radical beleza das canções originais, por um lado, e das interpretações de Bill Frisell, Greg Leisz (steel guitar, e guitarra acústica), Jenny Scheinman (violino), Tony Scherr (baixo) e Kenny Wollesen (bateria), por outro. Nada do que aqui acontece nos surpreende, uma vez que os músicos escolheram seguir uma linguagem próxima das estruturas melódicas e rítmicas originais. No entanto, tudo o que se ouve em All We Are Saying… é belo, perigosamente belo, dando-nos, quase que de forma obrigatória, a prazerosa sensação laid back que vai bem com os dias cinzentos e jazentes que nos acompanham neste inverno. É um conforto de alma, precioso desde o começo até ao fim.
O disco abre com “Across The Universe”, de Let It Be, e começamos desde logo a perceber a excelência que temos pela frente. As linhas das guitarras de Bill Frisell e de Greg Leisz são arrebatadoras, e é dessa forma que caminhamos através de “Nowhere Man” (Rubber Soul), “Imagine” (do segundo álbum a solo de Lennon, com o mesmo título da canção), “You’ve Got To Hide Your Love Away” (Help!), “In My Life” (Rubber Soul), “Woman” (Double Fantasy) ou “Give Peace a Chance”, apenas para referir alguns bons exemplos. O álbum em causa movimenta-se pelos caminhos do pop-rock, do jazz, ou dito de forma mais coerente, deambula por entre essas definições de maneira a não se vincular nelas, antes misturando os géneros no sentido de criar alguma indefinição, que me parece propositada e muito bem conseguida. All We Are Saying… é também, e principalmente, uma primorosa homenagem a um músico cujo legado, a solo ou em parceria com Paul McCartney e os restantes Beatles, permanecerá como um dos maiores e melhores da música popular de todos os tempos.
A revisitação à obra de John Lennon feita por Bill Frisell começou a ganhar forma, a avaliar pelo que o próprio diz no inlay do cd de All We Are Saying… quando o músico foi convidado, em 2005, para tocar algumas músicas do beatle assassinado em dezembro de 1980, num evento da Citè de la Musique, em Paris. Assim, e sem se dar verdadeiramente conta do caminho que começara a trilhar, as canções de Lennon não o abandonaram jamais, marcando sempre presença nos seus concertos e tendo, por parte do público, uma ótima e entusiasmante receção. Até que, na entrada da segunda década do atual século, a Savoy Records, editora americana especializada em jazz, blues, soul e outras delícias afins, permitiu que se fizesse a gravação do disco que aqui vos trazemos hoje. Ouvir All We Are Saying… chega a ser comovente, não apenas pelo amor que Bill Frisell dedica a cada uma das dezasseis canções de Lennon por ele escolhidas, mas também pelo forte sentimento que todos nós, invariavelmente, continuamos a ter por elas.