Ao segundo disco de Durand Jones & The Indications, mergulhamos de cabeça nesta viagem à deliciosa soul negra dos anos 70, questionando para onde foi o amor na América de Trump
Estamos em 2019 ou em 1971? Não é fácil saber, ouvindo American Love Call, segundo trabalho dos Durand Jones & The Indications, grupo norte-americano cuja sonoridade nos atira para os adorados sons de clássicos como Curtis Mayfield, Gil Scot-Heron ou Isaac Hayes.
O grupo nasceu em 2012, com o vocalista Durand Jones a juntar-se a quatro músicos que com ele partilhavam o amor pelo som da Motown e pela soul negra dos Delfonics. O primeiro disco, homónimo, chegou em 2016. Gravado por menos de 500 dólares e cerveja, a ideia era fazer apenas esse álbum, mas este foi ganhando vida própria, graças às recomendações de donos de lojas de discos, radialistas e ao clássico passa-palavra, bem como aos concertos memoráveis que o conjunto foi dando.
Agora temos este American Love Call, um álbum necessariamente retro na sonoridade mas firmemente implantado na América de hoje, a América de Trump e dos valores esquecidos da igualdade. O conceito é exactamente esse: como recuperar o amor perdido, num país dividido e permanente sobressaltado pelo ódio e pela confrontação?
American Love Call é um daqueles discos que, se tivesse sido gravado em 1970, ficado perdido no tempo e fosse agora recuperado, seria automaticamente elogiado como um clássico, ao estilo da Finders Keepers ou da Light in the Attic, editoras especializadas no relançamento de edições há muito fora de circulação. Sendo um lançamento de 2019, vai correr sempre o risco de ser acusado de cópia, de ser um pastiche dos clássicos da soul. Mas o tempo é o que é, e contra essa injustiça pouco podemos fazer a não ser aconselhar, muito vivamente, que se ouça o álbum. A qualidade dos temas e da sua gravação, e a convicção com que tudo isto é feito serão suficientes para nos deixarmos levar pela música.
Se Curtis Harding ou Michael Kiwanuka estão a ser justamente aplaudidos pelo seu regresso a um som de tempos perdidos – como a magnífica Sharon Jones também sempre fez – Durand Jones & The Indications merecem certamente o nosso amor e a redescoberta da maravilha que é esta soul autêntica, com tanto de duro como de luminoso, sempre colorida pelas cordas à anos 70.
Não precisamos de mais argumentos do que estes três: ouçam o tema-título, “American Love Call”, “Long Way Home” e “Walk Away”. Não precisam de agradecer, é para isso que cá estamos.