Nicolas Jaar atinge uma idade carregada de peso simbólico no mundo da música, mas o mundo da música já não é o mesmo.
É certo e sabido que os derradeiros vinte e sete são a idade sagrada do rock ‘n’ roll. Foi do alto dos seus vinte e sete anos que Lennon assinou por baixo de muitos dos temas de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, de braço dado com McCartney. Vinte e sete anos tinha também Bowie quando lançou o caótico Diamond Dogs e casou Orwell com glam. Vinte e sete anos é também a idade em que, muitas vezes, os mais iluminados do som abandonam os seus conterrâneos terráqueos prematuramente, ao som de um estrondoso aplauso. Em Setembro de 1993, brota nas prateleiras de lojas de discos In Utero, em Fevereiro do ano seguinte Cobain celebra o seu vigésimo sétimo aniversário e em Abril despede-se com um tiro de espingarda. Em Fevereiro de 1970 travamos conhecimento com Morrison Hotel, ao final do ano o próprio completa a idade que já sabemos e no verão seguinte é enterrado em Paris. Os vinte e sete não são apenas uma coincidência mirabolante ou gasolina para teorias de conspiração no mundo da música; muitas vezes, os três anos que antecedem aos trinta são verdadeiramente proféticos.
Nicolas Jaar não é Hendrix nem Joplin: com a sua música certinha e planeada, as suas texturas meticulosamente montadas e a mestria com que domina a mesa de som, é a antítese do rock ‘n’ roll selvagem e desenfreado. Menino chileno criado em Nova Iorque, de carinha lavada e camisa abotoada até acima, não esperamos tão cedo encontrar Jaar moribundo numa banheira a tresandar a álcool e arrependimento. Jaar completou no passado mês de Janeiro os derradeiros vinte e sete anos, pouco depois de lançar o seu mais recente projeto, Sirens em setembro de 2016. E se a história é algum indicativo, o álbum anuncia a profecia de um futuro no qual Jaar se assume cada vez mais como uma voz que deve ser ouvida na eletrónica do século XXI.
Subtil talvez seja a palavra que mais descreve Sirens. Já não são as letras brincalhonas entregues com um piscar de olhos e as batidas dançáveis da estreia do longínquo Space Is Only Noise, de 2011. Se Pomegranates, o EP de 2015, foi o caminhar hesitante em direção ao abismo, Sirens é o salto triunfante e sem medos. A profecia realizada.
São só seis os temas que cabem dentro de um álbum que, mesmo com poucas palavras, mesmo que fale baixo, vale a pena escutar. Jaar abre as portas aos ouvidos do público com “Killing Time”, a faixa mais longa do álbum, um hipnotismo simplista no qual o seu falsetto sem esforços acompanha um piano suave e descomplexado a lembrar um minimalismo clássico do século XX. Jaar flutua sem dificuldades entre o passado e o futuro, o aqui e agora e o longe e ambicioso. O experimentalismo de “Leaves” contrasta na perfeição com o rockabilly eletrónico de “The Governer”; a homenagem às raízes latinas de “No”, cantada por Jaar na sua língua-mãe, opõe-se ao futurismo robótico de “Three Sides of Nazareth”. Mas se há uma canção que ficará para recordar mais adiante é a apropriadamente intitulada “History Lesson”. Talvez no seu registo mais soul até à data, completo com coros de cinturas que giram diante de um microfone num bar escuro dos anos cinquenta, Jaar entrega-se sem vergonhas à denúncia aberta dos tropeços de uma América que nasceu frágil para continuar frágil, quando canta: “chapter one, we fucked up / chapter two, we did it again, and again, and again, and again”. É uma mensagem entregue sem carga venenosa, mas com um tom de reprovação claro de um tema tão atual polvilhado sobre um instrumental de outros tempos. É com “History Lesson” que Jaar prova o que é um dos seus maiores trunfos: existir pura e completamente no presente, bebendo no passado familiar e fundindo-o com um futuro incerto, mantendo-se sempre atual e no momento.
Foi Sirens o melhor disco de 2016? Não. Possivelmente nem será o melhor disco de Jaar. Mas é profético, como indicam os vinte e sete anos que chegaram pouco depois. Depois de Sgt. Pepper’s veio Abbey Road, e depois de Diamond Dogs veio Heroes. Jaar ultrapassará os vinte e sete sem dificuldade e Sirens serve como aperitivo para o que o futuro lhe (e nos) trará.