A cruel passagem do tempo ditará que lugar a História reserva à família White. Realeza, aristocratas ou meros plebeus?
Primeira regra para chegar à realeza do rock, um riff perfeito, capaz de fazer baloiçar quem o ouve, esteja em Portugal, em Detroit ou na Patagónia. Segunda regra, o som tem de ser facilmente identificável. Terceira, a mais subjetiva, é preciso carisma. Não necessariamente tanto quanto os Zeppelin, mas seguramente mais que os Muse. A verdade é que o riff também não tem de ser o Back in Black ou o som tão próprio quanto o do distorcido rock daqueles três rapazes do disco enfeitado com um bebé nu, mergulhado numa piscina. Às vezes, basta um casal, a vermelho e branco, com umas linhas de preto a contrabalançar. Às vezes, até pode bastar uma guitarra e uma bateria. Os White Stripes nunca precisaram de mais.
Oito anos, seis discos e uma mitologia inteira em torno da relação dos seus membros: Jack e Megan, que começaram como irmãos, depois eram namorados e, no final, afinal já estavam divorciados. Em Icky Thump, o sexto disco, ouve-se a separação, mas também se ouve tudo o que fez dos White um dos grandes casais do rock.
O começo é com a faixa homónima e logo com um refrão que, nos últimos anos, tragicamente, voltou a fazer sentido por terras de Donald – “Well, Americans: What, nothin’ better to do? Why don’t you kick yourself out? You’re an immigrant too” – e um riff que nos avisa: mesmo na hora da despedida, os White Stripes não facilitaram.
Em “You don’t know what love is”, guitarra e bateria quase tocam em jeito de desafio. Em “300 mp/h Torrential Outpour Blues”, o ritmo abranda, mas ouvem-se histórias de dentes partidos e de mulheres ruivas a quem Jack não deveria prestar atenção. Depois chega “Conquest”, cantada e tocada em ritmo de tourada, e “Bone Broke”, um belo exemplar do som do casal mais enigmático da década. Até ao final do disco ainda se ouvirão sons irlandeses (“Prickly Thorn, but Sweetly Worn”), salpicos de punk (“St Andrew (this battle is in the air)”), de Blues (“Rag and Blues” e “Catch Hell Blues”) e até de Gospel na sua versão mais branca, “A martyr for my love for you”.
À distância, agora que a história entre Jack e Megan é conhecida, basta olhar para os títulos das músicas para ficar com a suspeita de que é a separação e as festas que se lhe seguiram nos cantam. Melhor e menos passível de interpretações é o facto de em Icky Thump a dupla visitar todos os sons de onde nasceram os White Stripes.
A cruel passagem do tempo ditará que lugar a História reserva à família White. Realeza, aristocratas ou meros plebeus? Que se encontre quem não os identifique ao fim dos primeiros segundos de qualquer música, quem os confunda com qualquer outra banda ou quem apresente riff melhor que o de “Seven Nation Army”. Eventualmente, o título ainda será o que menos importa.