Em Titanic Rising, Weyes Blood mergulha completamente nas suas emoções e convida-nos a submergir também, ao som de sintetizadores e coros angelicais.
No seu quarto álbum, Natalie Mering leva-nos com ela para o quarto debaixo de água que faz a capa. O nosso quarto é o lugar mais seguro do mundo, é onde crescemos e nos criamos e é à volta do seu que Mering viaja, convidando-nos para irmos também, submersos nos seus pensamentos.
Natalie surge nostálgica e regressa à simplicidade da infância, em “A Lot’s Gonna Change”, oferecendo-nos uma ode aos tempos em que tinha o mundo aos seus pés, uma altura em que não pensava na vida a fugir antes que a pudesse apreciar. Com o crescimento vem a noção de que o mundo está doente – tudo muda muito depressa e é fácil cairmos numa espiral de tristeza e medo pelo futuro. Porque se já vimos este sofrimento todo e ainda somos tão novos, o que vem a seguir? A música em si é poderosa e mantém a serenidade e o apelo à resiliência perante o incerto, com a simplicidade inicial de um piano e de uma guitarra, que dão espaço para a sua voz quente. Para o quadro de elevação transcendental contribuem os violinos e os coros sentidos, numa música que tem tanto de aconselhamento como de amor-próprio – na realidade, ela canta para quem precisar.
Se a primeira música tinha um quê de grandiosidade, em “Andromeda” a guitarra acústica contrasta com o sintetizador. Na mitologia grega, Andrómeda foi oferecida como sacrifício a um monstro marinho, mas acabou por ser salva por Perseu. Andrómeda é também o nome da galáxia espiral mais próxima da Via Láctea. Natalie navega pela introspeção em busca de si mesma, uma vez que com o tempo e com a vida se foi quebrando e perdendo. Está magoada e precisa de ajuda para voltar a ser, mas recusa a esperança de ser salva, porque parte de nós reencontrarmo-nos e ninguém nos deve nada. No fundo, Mering pede asilo no colo de quem a queira receber e, acima de tudo, pede paciência (Let me in if I break/And be quiet if I shatter”). A fragilidade da nossa força, daquilo que nos mantém de pé, às vezes é exposta pelos abalos da nossa própria realidade e precisamos de ajuda para nos levantarmos.
Seremos assim tão estoicamente independentes hoje em dia que deixámos de conseguir dar-nos ao amor como as gerações passadas faziam? “Everyday” chega-nos alegre e graciosa, com ironia (“True love is making a comeback”) para nos relembrar de que todos precisamos de amor. Com ela, dançamos ao ritmo da perplexidade perante o rumo do mundo e ao som dos arranjos despreocupados da banda. Já a musicalidade divertida de “Something to Believe” esconde a incapacidade de Mering de se desapegar da falta de sentido que sente na sua vida. A míngua de crença em algo superior e maior do que nós tira-nos perspetiva e motivação para continuar (“Give me something I can see/Something bigger and louder than the voices in me”), diz-nos a sua voz etérea enquanto brinca com as guitarras e paira com os coros.
“Titanic Rising” é o interlúdio em que podemos andar à deriva sem termos de nos justificar. Boiamos com Weyes Blood na aceitação das coisas, perdidos na imensidão da mente. O seu instrumental misterioso evolui para loops de sintetizadores que fazem lembrar Philip Glass e que dão início a “Movies”, o pico das crises existenciais do álbum. Até se encontrar, Mering idolatrará as personagens com finais felizes que vê nos filmes, porque o confronto com a realidade é demasiado doloroso.
O ambiente soturno mantém-se em “Mirror Forever”, mas em “Wild Time”, os instrumentos dão uma festa. Os coros entrelaçam-se com violoncelos, guitarras e sintetizadores para se criar um ambiente aparentemente leve. A voz angelical de Natalie acrescenta à musicalidade que é casa de uma letra que celebra a vida num mundo doente, porque “it’s a wild time to be alive”! O mundo pode estar a acabar, mas o que é que isso interessa quando podemos ouvir esta bonita composição? “Picture Me Better” chora o tempo que não volta atrás e que não traz de volta quem se perdeu. Uma voz pesarosa aparece acompanhada de uma guitarra suave e de violinos, para cantar uma ode à amizade e à falta que nos fazemos uns aos outros, com uma intensidade crescente.
Chegamos ao fim do álbum destroçados, mas podemos colar de volta as peças enquanto ouvimos “Nearer to Thee”, instrumental dedicado à última música tocada pela banda do Titanic antes de este se afundar completamente. Assim, violinos cantam em homenagem a todos nós, que não sabemos o que fazer a seguir, mas que olhamos a destruição em volta, à espera de salvação.
Natalie sente todas as emoções humanamente possíveis e deposita-as num álbum para nos ajudar a sentir também. Este atravessa estilos musicais diferentes de música para música, indo do folk ao psicadélico, sem deixar para trás bonitos solos de violino. Vai ao passado e ao futuro e ainda passa pelos sonhos. No fundo, se tudo correr mal, devemos sorrir. Mering apenas nos mostra que o realismo dá conforto e que a cura está no acolhimento da inquietação, elevando-nos e deitando-nos abaixo numa questão de segundos, sem termos tempo para processar. Titanic Rising é um manifesto da beleza de sermos humanos e celebra a alegria de se existir misturada com a dor de se ser. Músicas leves para reflexões pesadas porque só assim se superam os sentimentos que temos a mais, porque só assim se sobrevive ao apocalipse.