O novo Vitorino de sempre.
O que andou Vitorino para chegar a Não sei do que é que se trata, mas não concordo todos conhecemos, de um modo mais ou menos pormenorizado. O álbum, cujo nome é o mesmo do documentário sobre a vida do artista, realizado em 2019 por Jorge Paixão da Costa, está anunciado desde maio de 2020, momento do lançamento do anterior trabalho discográfico, Vem devagarinho para a minha beira.
Na altura, o próprio intérprete classificou os dois como “neo-românticos” – e, de facto, o resultado final apresenta uma bússola ou, numa linguagem mais moderna, um GPS, que orienta nesse sentido. E corresponde ao que dele se espera? Já lá iremos. Mas só depois de seguirmos pela quarta saída na próxima rotunda…
Olhando para trás, vamos encontrar o rasto que remonta ao Redondo natal e aos cantares em família; a paixão pela pintura e pelas Belas Artes; os iniciais e decisivos contactos, no Algarve, com Zeca Afonso, a quem irá reencontrar, já emigrado em França, ao lado de José Mário Branco ou Sérgio Godinho; o célebre concerto de 29 de março de 1974, no Coliseu lisboeta, quando uma das futuras senhas do 25 de Abril, “Grândola, Vila Morena”, foi cantada em coro com o público e a PIDE nada percebeu; as colaborações e “Menina que estás à janela”, primeiro êxito logo em 1975; os sucessivos discos, espectáculos e projetos; as letras de Lobo Antunes; viagens pelo país e pelo mundo; e sempre, sempre a celebração dos ideais de Abril.
Agora, Não sei do que é que se trata, mas não concordo, título do álbum e da canção de abertura, tem inspiração direta na frase que um primo de Vitorino, carpinteiro e amante da boa pinga, proferiu durante uma assembleia-geral do Redondense Futebol Clube. Foi logo expulso, mas a ideia ficou a germinar na cabeça do músico.
E aqui está, num disco cuja linha melódica se espraia em 11 canções e pouco mais de 35 minutos de música, por entre piscadelas de olho ao tango (logo no início e no tema “Por Ela”, que até conta com duas versões – de baile e rádio de pilhas); a uma espécie de ‘foxtrot’ em “Moda Revolta” (com uma letra que inclui “Europa, essa figurona que olha para mim com arrogância” ou “Esta moda não tem idade/Volta sempre que a gente a chama/Todos os anos em Abril/Traz o vermelho da revolta”); à música mexicana de “Para quando eu te encontrar”, num dueto com Cuca Roseta.
Mas também há ritmos lentos (“Terra tão longe”) e nostálgicos (“Cravos vermelhos”); o bom humor e o desejo em “Uma pontinha por ti”; a referência a António Lobo Antunes (“Não é meia-noite quem quer”, tema que remete para “Time”, dos Pink Floyd, mas também para paisagens sonoras mais ao jeito de Vangelis), com quem almoçava todas as semanas antes da pandemia; um manifesto em “Santo e Senha” e, por fim, a homenagem no tema “Pai”.
Como canta Sérgio Godinho no álbum Pré-Histórias, ‘pode alguém ser quem não é?’ No caso do cantautor, a resposta é clara: não. Sendo o disco novo, este Vitorino é o mesmo de sempre. E ainda bem: porque isso é garantia de qualidade, coerência e de uma encantadora geografia emocional traduzida na forma como canta, temperada a preceito com sabores musicais do Alentejo da origem e da família (tios e quatro irmãos) com quem partilha o dom, mas também do muito mundo que tem percorrido.