Antes de conhecer a opressão amorosa vinda dos lados de Manchester, o Rock sónico da costa oeste americana ou a raiva alienante saída de Seattle, surgiu a banda perfeita para qualquer adolescente angustiado. Chamava-se Violent Femmes. Conheci os Violent Femmes (e tantas outras bandas) através do meu irmão que tinha os quatro primeiros álbuns lá em casa: Violent Femmes (1983); Hallowed Ground (1984); The Blind Leading the Naked (1986) e 3 (1989). Ouvi-os a todos do princípio ao fim, inúmeras vezes. A posição era sempre a mesma: sentada à frente da aparelhagem com a capa do disco na mão e o vinil a correr (ainda não tinha cds), seguindo as letras do álbum. Na altura, mal conhecia os Pixies ou os Sonic Youth (que mais tarde se vieram a tornar nas bandas mais ouvidas e as contemporâneas da minha adolescência). Gostava de tudo: da voz irreverente e sexy do vocalista, das letras sofridas e gozonas mas gostava especialmente da energia instrumental da banda. O primeiro álbum foi aquele que provocou o maior impacto. Foi também quando ouvi, pela primeira vez, a palavra fuck num disco. «Why can’t I get just one fuck? Why can’t I get just one fuck? I guess it’s got something to do with luck» cantava Gano em «Add It Up». Inesquecível.
Mais tarde vim a saber que os Violent Femmes começaram a tocar na rua, por não conseguirem tocar em bares e noutros locais de concertos. Reza a história (no site da banda) que após terem sido rejeitados num bar local (em Milwaukee) montaram o estaminé na rua e começaram a tocar. Lá dentro ia haver um concerto dos Pretenders. Ao ouvi-los, Chrissie Hynde pediu-lhes para fazerem a primeira parte do espetáculo. Teria começado assim a história dos Violent Femmes.
Violent Femmes, o álbum de estreia deste original trio de Milwaukee (Wisconsin) data de 1983 mas podia ter sido composto o ano passado. Quando Gordon Gano (ainda no Secundário) se juntou ao baixista Brian Ritchie e ao baterista Victor DeLorenzo, estava tudo a postos para demonstrar que não é preciso nascer nos subúrbios de Inglaterra nem de ter pedais de distorção para criar uma sonoridade Punk. Os laivos Punk encontram-se essencialmente na pujança com que os instrumentos são tocados, o que é absolutamente incrível se tivermos em consideração que são, na sua maioria, acústicos. Mas Violent Femmes é mais que isso, é pop e folk. Aliás, a grande originalidade da banda era essa mesma, criavam uma sonoridade única, de forma minimalista em termos instrumentais – guitarra acústica, baixo acústico e uma tarola (ocasionalmente saxofone, bombo, violino e xilofone).
A energia da banda é contagiante e arrebatadora. As canções são enriquecidas pelas letras de Gano, que exploram um universo de frustração adolescente, rebeldia e desilusão amorosa com um sentido de humor apurado, num subtil paradoxo de canções alegres e letras tempestuosas. O disco começa de forma brutal: os acordes da guitarra apressados rematados pela bateria – uma introdução impossível de esquecer – «Blister in the Sun» é o tema mais conhecido da banda, aliás, o tema é mais conhecido do que a própria banda. É difícil escolher temas num disco que se saboreia do princípio ao fim, sem saltar faixas. Ainda assim, destaco «Kiss Off», «Add It Up», «Gone Daddy Gone» (introdução inesquecível com xilofone) e «Good Feeling» (a balada chorosa) como os temas mais marcantes do álbum. Violent Femmes fica na (minha) história da música como o melhor álbum punk/folk alguma vez feito.