Há um novo xerife na capital — ou pelo menos, um novo concorrente aos grandes festivais nacionais. A partir desta quinta-feira, cerca de 100 mil pessoas rumam ao Parque da Bela Vista, em Lisboa, para a primeira edição do MEO Kalorama.
Quando os primeiros nomes de peso foram anunciados no inverno de 2021, parecia demasiado bom para ser verdade. Arctic Monkeys, The Chemical Brothers, Kraftwerk, James Blake, Disclosure. Este ano, confirmaram Nick Cave and The Bad Seeds. Apesar de ter sido organizado pela House of Fun, que já nos habituara a vários concertos como Devendra Banhart e Rhye no Capitólio, Kings of Convenience no Coliseu ou Tricky no Lisboa Ao Vivo, há que lembrar o ditado: quando a esmola é muita, o pobre desconfia. Contudo, é mesmo verdade: o MEO Kalorama é a materialização de um projeto de longa-data de Artur Peixoto, mestre da programação em Portugal.
O programador-mestre sai da sombra
Sem procurar os holofotes, Peixoto é um dos responsáveis por, na sombra dos bastidores, assegurar alguns dos melhores cartazes das últimas duas décadas. Nascido em Gaia e criado na Moita, é filho da cultura de garagem, do punk, do DIY. Segundo um perfil do jornal Público, começou a organizar concertos há 22 anos num bar na Moita. Foi aprimorando a arte e, mais tarde, após afinar contactos com promotores espanhóis, conseguia agendar nomes para a Caixa Económica Operária, a ZDB ou o Paradise Garage.
Acabaria por afirmar-se no meio: esteve na retaguarda de festivais como o Paredes de Coura, Sudoeste, NOS Alive ou Rock in Rio. Peixoto conta ao Público como acabaria por trazer os Yeah Yeah Yeahs a Paredes de Coura em 2003 e recorda com carinho a edição de 2005 com Arcade Fire, Foo Fighters, Nick Cave, Queens Of The Stone Age, por exemplo. E na indústria, é respeitado. Aliás, quando Álvaro Covões saiu da Música no Coração para a Everything is New, levou Peixoto consigo. Agora, o Kalorama é o culminar do que aprendeu nas últimas décadas a programar.
A sua especialidade é compor bons cartazes, dar ao povo o que o povo quer. É por isso que, segundo a organização, o festival está perto de esgotar. Ao longo dos dias 1, 2 e 3 de setembro, alguns dos maiores nomes da música vão passar pelo Parque da Bela Vista.
Esta quinta-feira, o festival destaca-se a música eletrónica, estando previstas as atuações de artistas como James Blake e Chemical Brothers, Moderat, Kraftwerk, Bomba Estéreo e 2ManyDjs.
No dia seguinte, o destaque vai para nomes como Róisín Murphy e Jessie Ware, sendo cabeça de cartaz a branda britânica Arctic Monkeys.
No sábado, último dia, destaca-se o regresso de Nick Cave & The Bad Seeds e o fecho do festival com a eletrónica dos Disclosure. O festival tem três palcos: MEO, Colina e Futura, referente à rádio onde o Altamont marca presença habitual com o programa Rádio Clube Altamont.
Da música portuguesa à sustentabilidade
É de notar também o grande destaque dado à música portuguesa. Espalhados pelos três dias e pelos três palcos do festival, alguns dos maiores nomes da nossa praça vêm mostrar que se enturmam muito bem com grandes bandas internacionais.
No primeiro dia destaca-se Rodrigo Leão, que levará ao palco MEO o seu espetáculo Rodrigo Leão Cinema Project – A estranha beleza da vida com repertório dos seus três últimos discos, mas também Fred e a pop dançante dos D’Alva que passarão pelo palco Futura.
Na sexta-feira, The Legendary Tigerman dispensará o seu rock’n’roll num aquecimento muito adequado antes dos concertos de Blossoms e Arctic Monkeys no palco MEO. Já Bruno Pernadas e companhia subirão ao palco Futura à uma da manhã trazendo-nos o seu jazz estratosférico. Antes destes tocam ainda os You Can’t Win Charlie Brown que têm um álbum ainda fresquinho na manga para mostrar.
O último dia do MEO Kalorama acaba em beleza a homenagem à música nacional com um concerto dos Ornatos Violeta, ainda na sua eterna reunião, no palco MEO às 19h. Há ainda Club Makumba, o novo e entusiasmante projeto de Tó Trips, que tocará no palco Futura, e a eletrónica de Moullinex no palco Colina às 18h.
É também um festival com uma preocupação com a sustentabilidade pouco comum, sobretudo neste género de eventos onde o impacte ambiental tende a ser considerável. Baseados nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, a organização implementou uma série de medidas que visam melhorar a sustentabilidade do evento, quer a nível ambiental como social. Para além do já standard copo reutilizável (medida que nem sempre é assim tão sustentável já que, normalmente, nos vemos obrigados a comprar um copo diferente a cada evento), existirão também estruturas para garantir uma correta recolha e gestão dos resíduos gerados, brindes (outra comum fonte de lixo em festivais) escolhidos com base nos materiais e na sua utilidade futura, doação de restos alimentares a organizações como a ReFood e o cálculo da pegada de carbono no fim do evento para permitir otimizações futuras. No campo social existe uma preocupação com utilização de mão de obra local e com a presença de artistas locais no cartaz, bem como com a inclusão de pessoas com deficiência para que também possam viver o festival.
Augura-se uma grande festa. Afinal, todos os elementos estão reunidos: grande cartaz, localização conhecida e, last but not least, organizador experiente. Se há elemento incomum, é a cerveja: não há Super Bock, nem Sagres, nem Heineken — o que se bebe neste festival é a espanhola San Miguel.
Texto: Alexandre R. Malhado e Ana Lúcia Tiago