Estávamos em 1997, 27 anos depois do lançamento do único disco de Vashti Bunyan até à data. Ninguém sabia do paradeiro dela, nunca mais ninguém a tinha ouvido. Alguns, com o surgimento dos primeiros fóruns de discussão de música – naquilo que estava a começar a ser conhecido como “a Internet” – falavam dessa pérola deixada pra trás três décadas antes. Na mesma altura, Bunyan tinha acesso pela primeira vez a esse novo mundo de que tanto se falava. Tinha o Google um ano e o seu primeiro instinto foi o de muitos: pesquisar o seu nome, saber o que sabiam de si – um inocente gesto que viraria a sua vida do avesso.
Estava há quase trinta anos sem pegar numa guitarra quando soube que o seu disco, ainda que obliterado, era ainda ouvido. Durante os dois anos seguintes dedicar-se-ia à recuperação das gravações e direitos do mesmo, até chegarem às mãos de Paul Lambden, da editora Trunk Records. Lambden estava no processo de criação de uma nova editora, dedicada à reedição de discos esquecidos – o lugar ideal para o de Bunyan. E foi assim que Just Another Diamond Day se tornou o primeiro lançamento da Spinney Records.
Nos anos entre as duas edições, a vida da cantautora inglesa passou por vários momentos – do o regresso ao campo após o lançamento do seu disco de estreia à criação dos dois filhos: a música tinha sido totalmente deixada de lado. O seu entusiasmo, que se tornou palpável na reedição do disco, chegou a todos os lados. Em 2001, Devendra Banhart – ainda com uma carreira embrionária -, escreveu-lhe a pedir conselhos. A filha, ofereceu-lhe uma guitarra pelo Natal. Nos anos seguintes, lentamente voltaria à música – as colaborações com diversos artistas (de Banhart a Animal Collective, com especial relevo no EP Prospect Hummer), inspirados pelo seu trabalho, seriam o seu maior empurrão de regresso.
Será um exercício difícil imaginar o turbilhão de emoções que atropelou a artista entre 1997 e 2005 – em especial para aqueles cuja idade é inferior ao tempo que separava os seus dedos e a madeira, o aço, o nylon. Lookaftering é tudo isso e muito mais. Sentimos a emoção de quem volta a ganhar calo nos dedos e fluência nas cordas vocais – ainda que essas não tivessem parado de embalar os seus filhos nas noites mais difíceis, tornadas assim nas mais fáceis. Há uma avassaladora nostalgia que circula pelas ondas sonoras, uma nostalgia que revisita uma vida inteira e nos fala dela com uma também esmagadora leveza.
A doçura do regresso à música em “Lately” enternece qualquer um e damos graças ao universo pelo resgate tão necessário e merecido. Em tudo parece o tempo não ter tido nenhum papel. A voz intocada, a paz e proximidade com que trata o seu passado… Em tudo ouvimos a mesma Vashti de sempre – a tranquilidade vocal, a guitarra e o piano irmãos, a flauta amiga. Agora a cantar do século XXI, vemos também outras caras passeando por entre os bosques e prados das suas canções. São exemplos as etéreas cordas de “Turning Backs”, que remontam ao EP gravado com os Animal Collective meses antes de Lookaftering, e a harpa cintilante de “If I Were”, que nos lembra Joanna Newsom rodopiando música fora.
Aquilo que o tempo fez de Vashti Bunyan, como se disse anteriormente, faz cada vez mais sentido à medida que a ouvimos. Ao primeiro disco – que falava de um correr dos dias banal mas glorioso -, o esquecimento, a perfeita cedência e comunhão com as forças da Natureza que exaltava. Ao segundo, um erguer da taça de quem venceu como poucos o teste do tempo (poderá pensar-se em Nick Drake como seu maior semelhante): sem esforço, apenas com uma alma doce e um talento e sensibilidade sublimes.