Novamente remasterizado, o primeiro disco dos Animal Collective tem agora outra oportunidade de ser reconhecido como um dos melhores discos do grupo.
Apesar de ser mais subtil hoje em dia, no meio das suas extravagâncias em technicolor e letras cada vez mais abstratas, a imagética dos Animal Collective também é povoada de referências ao mundo natural e às dores de crescimento. Spirit They’re Gone, Spirit They’ve Vanished, lançado originalmente em 2000 e remasterizado este ano, é a floresta primordial onde essas angústias floresceram. Aquando do seu lançamento há vinte e três anos, os Animal Collective ainda não existiam, sendo que o disco, que inicialmente seria creditado apenas a Avey Tare, acabou por ser creditado também a Panda Bear, dadas as suas contribuições na bateria.
A primeira coisa que se torna evidente ao ouvir o disco é o quão abrasivo é: um loop de ruído ensurdecedor forma a base da primeira música “Spirit They’ve Vanished” que, de resto conta com dois acordes de teclado e a voz resignada de Avey Tare a cantar “it’s hard to just kiss our childhood games goodbye”, de certa forma, o mote do disco. Gravado apenas por Avey Tare e Panda Bear quando ambos tinham vinte anos, Spirit é povoado por dúvidas e receios sobre o que a vida adulta poderá trazer. Os loops de feedback, criados ligando uma mesa de mistura de maneira (propositadamente errada) são usados para comunicar estas dores, sendo que a aparente aleatoriedade do sons permite traduzir melhor estes estados de confusão do que uma guitarra distorcida tocada de forma mais estruturada. Isso torna-se aparente na terceira música, em que os berros da mesa de mistura se assemelham a uma mulher a gritar enquanto um piano toca arpejos melodramáticos por trás.
Dada a natureza pessoal das temáticas abordadas no disco, é notável que estas sejam exploradas através de tantas personagens e de narrativas tão afastadas do mundo real quanto a música. Exemplos disso são a ode aos amigos imaginários em “April and the Phantom”, o devaneio cósmico de “Chocolate Girl” ou o microcosmo da vida de “Alvin Row”.
Esta remasterização, não podendo fazer muito por um disco gravado de maneira tão crua, permite ao mesmo tempo reforçar o quão bem conseguido o disco está, dados os meios e a idade dos seus intervenientes. Um ou outro baixo a ofuscar o resto da mistura ou uma guitarra a ouvir-se pior do que se gostaria, tudo isso importa pouco quando somos confrontados com o material aqui apresentado. A complementar este relançamento está o EP A Night at Mr. Raindrop’s Holistic Supermarket gravado na mesma altura que o disco. Entre as surpresas, encontra-se uma versão embrionária e muito mais quadrada de “La Rapet” que ilustra o quão vital é a bateria fluída de Panda Bear no disco, e um cover da “Dreams” dos Fleetwood Mac.
Spirit ainda não teve o sucesso que lhe é devido. Em termos de qualidade, não está muito afastado de um Feels ou Sung Tongs, sendo que a sua falta de popularidade é inversamente proporcional à reverência de que é alvo entre os fãs mais dedicados. Esperemos que esta reedição permita ao público mais alargado fazer uma, já há muito adiada, reavaliação.