Em Dezembro de 1970, Jennifer Vashti Bunyan editava Just Another Diamond Day. A cantautora, de origem inglesa, não era nenhuma estranha a essa coisa da música. Anos antes, já tinha dado sinais do seu talento e sensibilidade com os singles “Some Things Just Stick In Your Mind” (uma canção dos Rolling Stones), “Train Song”, entre outros. Ainda assim, pouco ou nada quis o mundo saber. Num lugar onde colossos como Elvis Presley, Jimi Hendrix e os Beach Boys faziam parte do serão de qualquer melómano, Bunyan chegou como um pequeno tesouro, difícil de encontrar – ainda que o seu brilho atravessasse a estrutura mais impenetrável de todas.
A pouca atenção dedicada ao disco parecia quase ser propositada: afinal, Just Another Diamond Day falava de coisas banais. Mas cantava-as de uma forma diferente. Cantava a natureza abundante, mas longínqua dos olhos das grandes metrópoles. Cantava a felicidade mais pura e ingénua. Cantava os dias, iguais a si mesmos, mas belos. Cantava os barcos que partiam (em “Where I Like To Stand”), os lagos de lírios (em “Lily Pond”, que rouba a melodia à tradicional “Brilha, Brilha, Estrelinha”), as estações (em “Come Wind Come Rain”), as jornadas no campo, feitas de trabalho e calma (em “Diamond Day”). Em “Timothy Grub” e “Hebridean Sun”, as suas aventuras nas Ilhas Hébridas com Donovan e companheiros eram evocadas.
A delicadeza da sua voz é a de quem sente que não tem contas a prestar a ninguém. A de quem vive plena e apenas precisa do essencial: uma voz, uma guitarra e a natureza. As cordas onde os seus dedos pousam entrelaçam-se nos ramos das árvores, aconchegam os animais que se juntam, qual flautista de Hamelin. À medida que voamos pelo seu prado sonoro, há seres e instrumentos que se vão juntando. Em “Timothy Grub”, os sopros chamam-nos pra com eles partilharmos uma refeição. Em “Rainbow River” os pássaros levam-nos num voo intemporal pelas águas escocesas, espelho do céu infinito, e tudo o que nelas se passa.
Vashti Bunyan é uma artista de todas as estações. É, sobretudo, uma cantora da Vida: por ela ziguezagueia sempre com um sorriso simples e doce. Com ela, somos crianças: de tranças feitas e mãos dadas, braços balançando e pernas saltando e correndo. Somos sementes de trigo que caem no chão e brotam, regados por uma rouquidão mais serena que tudo.
No fundo, Just Another Diamond Day é um bálsamo. Uma carícia suave, um embalo ao qual não queremos sucumbir, no desejo de para sempre com Vashti Bunyan aprendermos, brincarmos, vivermos. E o que o tempo fez desse bálsamo poderá ter sido a única coisa que faria sentido. Um sucumbir à força da Natureza, à força das correntes marítimas e ventosas, ao correr dos dias. Uma completa sinergia entre tempo, matéria e canção. Vashti escolheu a Natureza em vez da cidade e a promoção do disco, ficando este esquecido até trinta anos depois. Até um dia um grupo de curiosos exploradores encontrar essa pequena rodela mágica descansando no sopé de um móvel, numa loja de discos em segunda mão.