Numa das últimas edições da sempre boa revista Mojo, Ty Segall afirma, candidamente: «o meu objectivo é fazer merdas esquisitas e ver o que acontece». De facto, Segall não pára e é quase impossível – e até inútil – tentar catalogá-lo, inseri-lo numa qualquer categoria. Este rapaz de 27 anos vive no rock, é certo, mas isso é hoje em dia tão amplo que pouco quer dizer. Fuzz com fartura, psicadelismo mal medido, hard rock, um ou outro arremedo mais folksy. Tudo isso é Ty Segall, uma reminiscência dos tempos em que o rock era coisa de homens, bruta e, naturalmente, alta.
Depois de, em 2014, ter finalmente conquistado um reconhecimento mais alargado com o fantástico Manipulator, – quarto melhor disco do ano para o Altamont – o passado de Ty Segall começa a ser olhado com maior interesse, em busca do caminho o trouxe até aqui. O problema é que reconstruir esse passado é tarefa hercúlea: tem dezenas de edições, entre discos em nome próprio ou com banda, inúmeros singles em editoras pequenas e com tiragens limitadas. Enfim, Segall é um puzzle que se recusa a ser montado.
Bem no final de 2014, chegou-nos este $ingle$ 2. Como o nome indica, é uma colectânea; ao contrário do que o nome indica, não é feito de singles. Aposta, sobretudo, nos lados B que Segall foi editando aqui e ali desde 2010, tal como $ingle$ 1 havia feito para o período exactamente anterior.
O que este $ingle$ 2 nos traz, face a esse primeiro tomo, é um salto qualitativo do trabalho de Ty Segall. O som é melhor, sem ser nunca limpinho, e demonstra o caminho percorrido já ao serviço da extraordinária editora de Chicago, a Drag City Records. O que é espantoso em Segall é que Manipulator foi o culminar de um período de crescimento acelerado mas certo, sem que isso lhe tivesse tirado minimamente a aura de «enfant terrible» que o acompanha. E é esse percurso que é aqui documentado.
Esta compilação, de facto, acaba por funcionar bem como um disco. É, aliás, mais focado que Manipulator, cuja única fraqueza – e bastante desculpável – é ser talvez demasiado longo, retirando-lhe alguma coesão e não dando espaço mental para que o ouvinte pudesse apreciar a fundo todas as canções. Em $ingle$ 2, são 12 músicas, divididas ao meio pelas duas metades do vinil. Só um dos temas, «Hand Glams», havia sido editado em disco, embora numa versão diferente. O resto, lados B e raridades, entre elas três versões, destacando-se normalmente a acelerada interpretação de «Femme Fatale», dos intemporais Velvet Undergound.
Face a Manipulator, temos um Ty Segall mais solto, por vezes mais abrasivo, num disco mais focado mas menos certeiro – em termos de substrato pop – no que toca a canções.
Sobretudo, temos uma colectânea que funciona na perfeição como um novo disco de Ty Segall, em estado puro de desbunda criativa em estúdio, sem que isso retire qualquer prazer na audição. O rock de guitarras, cuja morte foi tantas e tantas vezes decretada, parece ter assegurado o seu futuro imediato.