Um festim de guitarra eléctrica, num disco que prova que a morte do rock clássico ainda vai ter de esperar.
Apenas dois anos após o excelente Pale Horse Rider, que esteve entre os melhores discos de 2021 para a redação do Altamont, o frontman dos Wand atira-se para novo disco a solo, o seu terceiro. Se o trabalho anterior foi a verdadeira afirmação da sua capacidade, com o seu contido psicadelismo country a lembrar um deserto do Mojave à luz de neons partidos, Cory Hanson deu um passo em frente nesse seu caminho, com a placidez narcotizada a dar espaço a uma explosão tecnhicolor movida a guitarra eléctrica.
O cenário de base até pode ser o mesmo, o Grande Oeste Americano, mas o tom contemplativo desse álbum anterior só espreita aqui e ali. Western Cum é um disco de rock. É, de certa forma, um disco de classic rock, que tanto vai buscar aos Lynyrd Skynyrd como aos Crazy Horse de Neil Young ou aos Thin Lizzy. É portanto, um disco anacrónico, mas que o consegue não parecer formulaico ou gasto. E isso deve-se sobretudo à grande inventividade de Hanson, cujos arranjos são quase sempre originais, e cujas composições se mexem dentro da estrutura rock mas cheias de surpresas, subtilezas, mudanças de direção e retornos surpreendentes.
Mas vamos ao elefante na sala, o título. Hanson tem sido relativamente vago quanto ao significado (literalmente “esperma do Oeste”), mas a capa do disco não deixa grande margem para dúvidas, com uma espécie de espermatozóide estilizado a caminho de fecundar aquilo que se vem a revelar um amplificador. É talvez a principal crítica que lhe podemos fazer: é parvo e deselegante. Para quem acompanha Hanson há algum tempo, não é surpresa o seu sentido de humor aleatório (lembrem-se dos vídeos de pandemia da altura do disco anterior) e este está em todo o lado nas suas letras surreais.
Ainda assim, não é totalmente descabido, ouvindo o álbum, todo ele uma ode à mítica virilidade da guitarra eléctrica como instrumento de fecundação (e sim, da masturbação inerente a qualquer grande e glorioso solo).
Mas, como sempre, o que conta são as canções. E, nestes 40 minutos, temos apenas oito temas, mas que têm todo um mundo lá dentro, de tal forma que chegamos ao fim e sentimos que acabámos de degustar com prazer e surpresa uma refeição substancial.
“Wings” é o arranque mais indie-rock, e talvez menos interessante, do disco. Isto até ao momento em que um solo maior que a vida leva a música para uma nova fase, desembocando numa clareira plácida e numa frase quase prog, para arrancar de novo. É um bom exemplo de como cada canção de Western Cum tem quase sempre várias lá dentro, de forma pouco óbvia mas que funciona.
“Housefly” é movida a um grande riff shouthern rock, dando espaço à bonita voz de Hanson. “Persuasion Architecture” assusta de início, com um riff demolidor quase punk-industrial, que dá depois espaço a uma incrível subtileza acústica e à sua clássica slide guitar, havendo espaço para o regresso desse riff do demo e para um solo de guitarras gémeas antes da bela acalmia final.
“Horsebait sabotage” tem um travo Led Zeppelin até surgirem as mudanças de tempo e de registo até ao sossego final. E, por falar em acalmia, a abrir a segunda metade do disco temos duas pérolas menos vitaminadas e mais plácidas, com menos efeitos e mais espaço dado à voz. As excelentes “Ghost ship” e “Twins” (mais country e pop) são talvez as músicas que mais nos remetem para o universo de Pale Horse Rider e, não sendo as mais representativas deste novo disco – muito marcado pela riffalhada rock -, são das nossas preferidas.
A peça central do disco vem logo a seguir, com os mais de dez minutos de “Driving through heaven”. E aqui há uma espécie de colagem musical, um caleidoscópio de referências onde há espaço para quase todos os exercícios que estão presentes nos outros temas de Western Cum. É a banda-sonora perfeita para uma roadtrip com a capota descida, na qual o caminho muda, mas o ritmo e o interesse nunca esmorecem. É rock? É country? É prog? É tudo isso, sim.
O fecho da aventura dá-se com “Motion sickness”, cuja bonita placidez vai subindo de emotividade para acabar em beleza.
Esta é a resposta perfeita para aqueles que acham que o rock não apenas está morto, já deu tudo o que tinha a dar, sem chama, sem criatividade, sem perigo e sem a alegria esfuziante de um riff perfeito. Pois bem: o que é um grande disco de rock feito em 2023 e que soa exactamente a um disco de rock feito em 2023? Western Cum.